quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Cheiro de infância (Inacio Carreira)

Não sei se naquela época já conhecia as histórias do descobrimento e das caravelas que vieram de Portugal. Mas aquela lata, que chegava pontualmente às vésperas do Natal, ele conhecia bem. Ela o intrigava. Era promessa de risos de alegria e lágrimas de lembranças e saudades. Uma tia-avó da "terrinha" mandava, pontualmente, aquela insólita embalagem contendo cartas, panos de prato, às vezes um corte de tecido, um xale, bolachas caseiras e balas, divinas balas... Divididas entre os muitos netos, as poucas balas eram iguarias divinais. Saboreá-las era transformado num ato às vezes cerimonioso, quase sagrado: só depois da janta ou após beber um gole do copo de água que a avó depositava todo santo dia, na frente do rádio, para ser bento desde Aparecida do Norte. Daquelas balas ele sempre se lembra, mesmo agora que a variedade de guloseimas nos supermercados, padarias e lojas de conveniência oferecem, ao olfato e ao paladar, até odores e sabores que não existem na natureza. Mas tinham um cheiro e um gosto peculiares aquelas balas anuais, embrulhadas em papel manteiga por mãos que ele nunca viu, nem veria; com certeza, feitas de forma artesanal em algum tacho de cobre, num fogão à lenha, numa pequena aldeia com ruas estreitas, medievais, casas de três andares erguidas de pedra e madeira, embranquecidas àquela época pela neve que ele só conhecia por devaneios e sonhos, as pegadas e os uivos longínquos dos lobos arrepiando a alma... A memória guardou a lembrança do gostar do gosto e do olor daquelas balas natalinas, mas não o próprio gosto e cheiro. E ele tenta recordar e associa - talvez erroneamente - com cheiro/gosto de cabo de guarda-chuva (que só bem tarde da vida acreditou ser o gosto/cheiro da cola de madeira); cheiro de São Jorge na lua; de bolinhas de gude; de seixos rolados; de nuvens formando figuras; de asas de borboleta nos quadros da sala de estar daquela tia rica; de borracha de areia; de pedra sabão; de sabonete no lavabo daquela casa bonita onde não passou do hall; de hóstia de primeira comunhão... Gosto/cheiro de selo de antes, quando a cola era molhada na língua; de mão com o zinabre dos pegadores dos bondes abertos; do beijo no rosto daquela tia que a mãe falava à boca pequena ser doente, "não podia passar sem homem"; de chuva de verão misturado ao forte cheiro da terra quente, molhada; de grama sendo cortada nos quaradores que ladeavam o caminho de chegada a casa. Cheiro de saudade, de flores misturadas ao odor dos pavios queimando nos velórios... Nas balas, cujo cheiro e gosto ele não lembrará jamais, um cheiro de infância, de inocência, da alegria de um dia talvez poder conhecer aquelas gentes que faziam aquelas balas naquela terra de onde ele veio (como semente genética não transgênica) e para onde só irá, tem certeza, quando misturado à terra e aos demais elementos, contribuindo algures para formar cheiros e gostos de outras infâncias, em outros tempos, outras crianças.



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inacio carreira

associação beneficente novo amanhã / comunidade terapêutica

fones 47 3371 6670 / 8812 8099

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O discípulo e os três cavaleiros (Sônia Pillon)

Determinado em encontrar o caminho da Iluminação, o jovem Silas deixou seu país de origem, o Brasil, e decidiu empreender uma longa jornada até o Tibete. Foram dois anos de privações e de economia” franciscana” para reunir os recursos necessários. Depois de muito viajar, chegou o momento de subir o topo da montanha que o levaria ao monastério. A íngreme subida começou no lombo de uma mula, e nos últimos metros, a pé. Finalmente, Silas consegue chegar à presença do Mestre. Emocionado, o jovem cai de joelhos e chora. Com a serenidade peculiar de quem domina o conhecimento das forças universais e terrenas, o Mestre fez Silas se levantar e contar do porquê de sua visita.


- Estou nesta busca desde pequeno! Já estudei todas as religiões, pratiquei algumas por um certo tempo, mas nenhuma me deu as respostas que eu procuro. Diga-me Mestre, o que preciso fazer para encontrar a Iluminação?


- Em primeiro lugar, você deve começar uma jornada rumo ao Leste, que durará 90 dias. Nesse período, você encontrará três cavaleiros, e deverá tirar a lição que cada um deles deixar para você. Somente depois de encontrar o Cavaleiro de Gelo, o Cavaleiro da Vaidade e o Cavaleiro do Orgulho é que você estará apto a encontrar o Caminho da Iluminação, que você terá de trilhar com as próprias pernas!


E lá se foi Silas... Os caminhos eram tortuosos, mas nada detinha o discípulo! Ao completar 29 dias, Silas avistou o Cavaleiro de Gelo, que não demonstrou nenhuma emoção ao ser abordado pelo viajante, que se disse com sede e fome. Com um olhar de granito, virou as costas e se foi... No segundo mês, viu o Cavaleiro da Vaidade, que chegou numa roupa vistosa, numa capa vermelha e brilhante. Ao ver o jovem em roupas rotas e empoeiradas, o olhou de cima a baixo e também o ignorou. O Cavaleiro do Orgulho, com olhar altivo e indiferente, também se negou a ajudar Silas.


Exausto e desanimado, o jovem seguiu pela tortuosa estrada. De repente, estaca ao ver o Mestre. – O senhor?! Mas...


- Diga-me, discípulo, o que você aprendeu nessa viagem?, perguntou o Mestre.


- Que a insensibilidade, a vaidade e o orgulho são incapazes de contribuir para o Bem. Mas e agora, o que o senhor tem a me dizer?


- É simples, meu jovem! Para alcançar a Iluminação, você precisa ter Fé, contribuir para o bem-estar do planeta, praticar a Solidariedade Humana, valorizar a família e os amigos, e buscar o Sucesso através da sua realização pessoal e dos outros. Só assim você alcançará a paz interior, e consequentemente, contribuirá para a paz mundial.


Depois de ouvir atentamente as palavras do Mestre, Silas foi embora pensativo. Ele sabia que já tinha ouvido tudo isso antes, mas precisou ir tão longe para acreditar!...


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Publicado na revista virtual Letras Et Cetera, em 21 de dezembro de 2010.
Sônia Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre (RS) e há 14 anos radicada em Jaraguá do Sul (SC).
Leia Mais: http://nanquin.blogspot.com/2010/12/contos-de-solidao-o-discipulo-e-os-tres.html#ixzz18lj1ZCrG
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

domingo, 19 de dezembro de 2010

Feliz Natal (Tiago Nascimento)

Noite alta

A estrela d'alva

Três reis mag(r)os

Alguém nascendo

Logo ali...

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Um forte abraço aos leitores e aos amigos escritores. Que o amor pregado pelo Cristo contagie a todos.

 

Vídeo Indicado pela Cristina Pretti:





sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Dona Esperança (Sônia Pillon)

Sônia Pillon


 

Sentada no piso frio da calçada de uma das principais ruas da capital, dona Esperança podia ver todos que passavam na altura da cintura. Desde os mais apressados, a caminho do trabalho ou de casa, carregando os filhos ou sacolas pela mão, até os que passavam sem a mínima pressa, arrastando os pés. Os cabelos semi-grisalhos, as rugas profundas, a obesidade e a aparência geral de desleixo não são um mero artifício para pedir esmolas. Ela realmente está ali para mostrar seus pés disformes, cheios de feridas, que de tão grandes chocam os passantes mais sensíveis.

Ao mesmo tempo que causa olhares de repulsa em alguns, ou de indiferença, em outros, é com a piedade dos passantes que ela conta para sobreviver. Para ela, que se apega àquela vida miserável com unhas e dentes, sem ao menos entender a razão, algumas poucas moedas podiam significar um café com leite, acompanhado de um sanduíche, nos dias de maior sorte, ou mesmo um pão com manteiga para aplacar a fome. Uma fome que atravessava suas entranhas e chegava até a alma. Fome de vida, de alegria, de um prazer que há muito deixou de ter!...

E pensar que já foi uma mulher bela, disputadíssima pelos ricos clientes do bordel, há décadas atrás. Chegou a ser leiloada numa grande festa privè, promovida por um manda-chuva político. Naquela época, não faltavam jóias e dinheiro, e até ganhou uma casa bem confortável, de um figurão que tinha caído de amores por ela. E chegou também a ser pedida em casamento por um farmacêutico cinquentão. Tímido, viúvo e apaixonadíssimo, ele queria fazer dela sua esposa.

- Esperança, você é a esperança da minha vida! Case comigo e seja a mãe dos meus filhos!

Mas ela ria, ria... Imagina se ela, no auge dos seus 20 anos, iria se enfiar atrás de um balcão de farmácia, quando tinha o mundo a seus pés?!... Que simplório!, pensava.

Mas o tempo foi passando, e as noitadas, as bebedeiras e as sucessivas doenças venéreas começaram a deixar suas marcas naquele corpo, até então perfeito. Aos poucos, foi perdendo tudo o que tinha, inclusive aqueles que considerava amigos. Todos fugiram como ratos num naufrágio!...

Mas foi o crack que a levou definitivamente para o fundo do poço. Já nessa época, suas pernas e pés ficaram irremediavelmente deformados, e passou a mendigar pelas ruas da capital. Dormia numa casa abandonada, com outros excluídos como ela. À noite geralmente chorava, e pensava que podia ter dado outro rumo à sua vida, não fosse a vaidade e a ambição. Tinha 40 anos, mas aparentava mais de 60...

Mas num desses dias em que ela estava em frente a uma galeria comercial, com frio e fome, e com a caixa de papelão à espera de uns parcos reais para seguir vivendo, eis que surge um homem bem vestido, calvo, que a olha no fundo dos olhos.

- Esperança! É Você mesma?!...

Nesse momento, Esperança devolve o olhar e reconhece o farmacêutico José, profundamente envergonhada.

- O senhor está enganado! O meu nome é Maria... Maria da Conceição...

- Não, não, eu jamais esqueceria esses olhos, Esperança!... Meu Deus! Venha comigo, você está precisando cuidar dessas feridas! Eu vou te levar até a minha farmácia...

Os olhos de Esperança se encheram de lágrimas, que ela não conseguiu conter. Bastante constrangida, ela aceitou ser conduzida pelo farmacêutico. Ele morava num bairro distante dali, no piso superior da farmácia. José a fez tomar banho e vestir roupas dele, que curiosamente serviram bem. Ele tinha engordado também, nos últimos anos...

Enquanto ele servia uma refeição à Esperança, que não queria acreditar no que estava acontecendo, ela foi contando sobre os excessos, as drogas... Ele ouvia tudo atentamente, comovido. No dia seguinte, ele saiu para comprar roupas novas para Esperança, bem coloridas, como ela gostava.

E nos dias que se passaram, José cumpriu o que prometeu. Os dois sabiam que ela não tinha muito tempo de vida, pois estava bastante fragilizada, mas preferiram não tocar no assunto.

Uma noite, quando Esperança ardia em febre, e José estava sentado ao pé da cama, como sempre, finalmente Esperança falou.

- Nunca pensei que existissem pessoas como você nesse mundo, José! Depois de eu ter rejeitado você, poderia ter se sentido vingado, como tantos outros...

- Não, Esperança! Você foi como um cometa, que apareceu num momento muito especial da minha vida, e fico feliz em poder estar aqui, agora, com você...

José pega as mãos de Esperança, que as aperta fortemente.

- Muito obrigada por tudo, José!... Eu nunca te disse, mas sempre me lembrei de você com saudades... Você foi o único que me tratou como gente... Se eu pudesse voltar no tempo...

Mas subitamente ela parou de falar. E o farmacêutico José, que sempre foi tão solitário, chorou por muitos minutos ao seu lado... Tinha reencontrado o seu amor e perdido de novo...




Escrito em 8 de dezembro de 2010.

Sônia Pillon é jornalista e escritora. Natural de Porto Alegre, está radicada há 14 anos em Jaraguá do Sul.

domingo, 21 de novembro de 2010

O órfão e o almoço de Natal (Sônia Pillon)

A vidraça quebrada da janela do orfanato mal conseguia conter a água da chuva que invadia o alojamento dos meninos. Os pingos se confundiam com as lágrimas de Ângelo. O mundo lá fora causava uma inquietação indefinível para ele, misto de esperança e medo. Ângelo sempre ficava imaginando como seria ter o carinho de uma mãe e um pai, longe da rispidez dos monitores, que mais pareciam generais comandando suas tropas.


Lembra também do pavor que desde os quatro anos o acompanha, toda vez que atravessa os corredores escuros do orfanato, ou quando está dormindo no beliche.


Já haviam se passado seis anos, mas parece que foi ontem que viu seu amigo José ser atacado por um monitor no meio da noite. Não consegue esquecer a visão terrível do amigo, que gemia baixinho e se debatia inutilmente enquanto era violentado, enquanto imperava o mais completo silêncio no alojamento.


Desconfia que todos fingiam nada ver, seja por covardia, indiferença, medo, ou por uma espécie de consolo cruel, por já terem passado pela mesma situação. Também não tira da cabeça a cena do pequeno José que continuou a chorar baixinho, de dor e humilhação, enquanto o encardido lençol se tingia de sangue e ele desmaiava em seguida.


Pouco depois o alerta foi dado. José foi levado às pressas para a enfermaria, e nunca mais foi visto. Nem o monitor. Disseram que seu amigo foi para um hospital porque estava doente, com hemorróidas, e que depois foi transferido para outro orfanato. Todos foram proibidos de falar sobre o assunto, e o caso foi abafado.  - Onde ele está agora?, se perguntava.


Ângelo continua olhando para fora das grades do orfanato. É madrugada e está com sono, mas sabe que não conseguirá mais dormir. Todas as noites tem o mesmo pesadelo, em que vê o cruel monitor chegando de mansinho para perto de sua cama. Nessas horas, acorda sobressaltado, suando muito, e fica olhando a rua lá fora, rezando para a maioridade chegar logo, para começar uma vida nova, ou até antes, se for adotado por alguma família.


Ângelo fica se imaginando, andando livre por aquela rua, trabalhando como cheff de cozinha, em um restaurante ou grande hotel, seu grande sonho. Aliás, estar na cozinha é o que mais gosta de fazer. Gosta de ver o corre-corre das cozinheiras, cortando legumes, verduras, temperando e cozinhando a comida que será servida no refeitório.


Os aromas dos temperos e do cozimento fazia sua imaginação voar para fora dos portões daquele cinzento orfanato. Era como se o cheiro dos alimentos, levado pelo ar, levasse também seu espírito, voando livre e cheio de esperanças.


Nunca apreciou estudar, mas quando a nutricionista Alva disse a ele que se estudasse, o ajudaria a se tornar um grande mestre-cuca, viu nessa oportunidade a única saída para fugir da marginalidade, ou da pobreza.


- Um dia eu vou voltar aqui como um cheff , e vou distribuir comida boa, “papa fina”, para esses órfãos todos!


Dez anos se passaram desde aquela noite chuvosa. Alva cumpriu a sua promessa de ajudar Ângelo, que ao sair do orfanato foi indicado para trabalhar num restaurante, inicialmente como auxiliar, e depois como cozinheiro e chefe. Trabalhava de dia e era aluno bolsista de gastronomia à noite. Se tornou um cheff respeitado, apesar de ainda muito jovem.


- Finalmente chegou a hora!...


Nesse momento, Ângelo olha atentamente para o refeitório recém-reformado, para as toalhas impecavelmente brancas, para os sorrisos e os olhos das crianças, que brilham de alegria enquanto saboreiam os pratos preparados por ele.


- Senhor Ângelo, as crianças querem agradecer o almoço e os presentes de Natal cantando uma música de Natal, diz a diretora do orfanato.


Lágrimas incontidas escorrem pelo rosto do jovem cheff , que falou com voz embargada.


- Vocês não precisam me agradecer, gente! Eu já fui como vocês, e prometi a mim mesmo que um dia voltaria aqui... Acreditem em vocês mesmos, estudem, escolham uma profissão que gostem, e nunca desistam de seus sonhos!... Ano que vem eu volto aqui!...


O almoço terminou. Os presentes foram abertos com euforia pelos órfãos, que cantaram hinos natalinos em agradecimento àquele homem tão bom, que para surpresa deles também já fora um interno do orfanato... Chegou a hora das despedidas, dos abraços, e de ver olhares de esperança naqueles meninos e meninas.


- Hoje exorcizei os meus fantasmas!, disse baixinho para si mesmo, enquanto lançava um último olhar para aquele prédio cinzento, que naquele momento deixou de ser assustador para ele, definitivamente.


Sônia Pillon é jornalista e escritora em Jaraguá do Sul, Santa Catarina.

sábado, 20 de novembro de 2010

O que estamos?! (Adriana Niétzkar)

Quarta
Quinta
Sexta
Em e sem feiras
Cem feiras
Sem fim?!
História
Em plurais
Que foram
Que serão
Singular
que está sendo
fagulha
faísca
fogo
incêndio
em histórias
(estórias ?!)
com
sem
cem
feiras
quarta...
sexta...
singular pluralizado
plural em singularidade
por conta
do sinônimo-coração
da palavra
história

INTROSPECTSOUND (Tiago Nascimento)

 

Um velho relógio batendo as horas

E um menino pensando: nossa senhora!

Há um menino que pensa, isso é admirável.

Assim como o peixe no aquário.

Parafuso, parafuso quão diferente és,

Das minhas veias e do sangue que o vampiro quer.




O velho relógio e o aquário vazio

São exemplos simples da complexidade que existiu

Nos homens, nos caras como você e eu,

Mas que foram embora em cada momento que se viveu

Havia um peixe no aquário agora está na geladeira

E o relógio dentro do armário e o vampiro nas minhas veias.

 

Tiago Nascimento                        jesuscristohumano@gmail.com

sábado, 13 de novembro de 2010

pede licença o poema (Ítalo Puccini)

naquele momento em que

o lápis e o papel se encontram

em outro espaço-tempo.

 

como fazer, então?

como fazê-lo?,

o poema?

 

porque de repente,

sem adeus dizer,

o poema segue seu ritmo

 

e não mais possível se torna

acompanhá-lo.

 

porque o que caracteriza

o poema

é a brevidade;

 

nasce para ser fugaz.

 

ítalo puccini

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Panorama Literário

Começa nessa sexta um grande evento que deve movimentar o cenário literário da nossa cidade. É o Panorama Jaraguá: Literatura.


Alguns dos nossos cooperados estarão lá:


Adriana Niétzkar; Cristina Pretti; Sonia Pillon & Tiago Carpes do Nascimento.

E quem sabe dali podem surgir novos colaboradores!


Aguardamos.


 

[caption id="attachment_149" align="aligncenter" width="140" caption="Clique para visualizar em tamanho grande"][/caption]

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Sobre Escrever (Marcelo Lamas)

“Estava apenas no exercício de meu ofício, que é duro e sério – de dizer, redizer, desdizer, contradizer o que seja, sempre bem e da melhor maneira; mas é também ofício divertido – de fazer de conta, imaginar, admitir que tudo é verdade e que não se está mentindo nem inventando; e que é, enfim, um ofício mágico – de recriar o mundo, ordenar e desordenar vidas, interferir na realidade e irrealidade”.

Trecho da entrevista do escritor Sr. Aldyr Garcia Schlee, autor de Linha Divisória, Contos de Futebol, Os Limites do Impossível – Contos Gardelianos e Don Frutos. O autor concorre ao Prêmio Fato Literário 2010 – Personalidade, na Feira do Livro de Porto Alegre.

Abraço do Marcelo Lamas.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pergunto (Tiago Nascimento)

Cada soldado morto é mais que um número.

É um pai que se vai sem da filha se despedir;

É um marido que vai sem um último beijo de amor;

É um irmão, um filho querido, talvez caçula, talvez único, arrimo da família talvez...

Um Cristo crucificado antes, bem antes dos 33.

E tem motivo?

Eu me pergunto o porquê e não encontro explicação.

Os números que vejo na TV não são somente números. São pessoas. São corpos. São rostos.

Que gostavam de Caetano & Gil. Que detestavam Spielberg. Que falavam mal do Lobão.

Que expressavam amor por alguma garota de alguma zona sul.

São pessoas. Rostos. Corpos. Números. Mortos. Números mortos.

E qual o motivo?

Eu me questiono, mas não vejo nenhuma razão.

Busco mais a pergunta do que propriamente a resposta...

Aliás, me satisfaço bem mais com a pergunta do que com a resposta.

___________________

Tiago Nascimento é professor.            jesuscristohumano@gmail.com


 

 

 

 

 




 

domingo, 17 de outubro de 2010

Carta sem título (Ítalo Puccini)

J.,

Estranho foi você ter perguntado pela minha mãe, assim, de repente. Se tanto demorei para lhe escrever foi porque perdi minha mãe. Esses sustos que nos pegam assim, pelo calcanhar, de costas, despreparados. Era uma tosse. Depois uma dor na nuca. Uma febre que não passava. E o sorriso sem graça agora é meu. Depois de dias de internação. De diagnósticos confusos. Quando me contaram o que era, não me restou nada a fazer se não ficar assim catatônica. É tradicional, não é? Pelo menos é o que dizem. Da gente ficar assim fora do ar ao receber a notícia, precisar de amparo, contatar os parentes. Aí vieram, os parentes. Lá de longe. Porque eu sou bem sozinha. Agora ainda mais. Éramos só eu e minha mãe. Há bastante tempo. Há vinte e dois anos, desde que meu pai foi embora. Dizem que até já casou e tem uma filha. Mas não apareceu no velório de minha mãe, não. Mora longe, acho.

Durante esses dias todos eu ficava vendo sua carta ali, na mesinha da sala. Entre três sofás e uma televisão preta e branca. Debaixo de uma bíblia. A bíblia que minha mãe lia sempre, todo dia. Ela assistia ao terço das seis da manhã e ao das seis da tarde. E sempre depois de assistir ao terço ela fazia o sinal da cruz e beijava a bíblia. Nunca reparei se era sempre a mesma página. Agora eu joguei fora aquela bíblia. Você acredita em Deus, J.? Mas eu ficava assim, respondendo a sua carta por pensamento, sabe? Pensando assim mesmo, ora, se ele, ou ela, afinal, me achou ao acaso, se de repente eu recebi uma correspondência de alguém que eu não faço ideia de quem seja, por que esse alguém não entenderia o que estou pensando agora e, ainda mais, por que esse alguém não receberia minha resposta, então, por pensamento, principalmente entendendo que no momento eu estaria impossibilitada de escrever? Sim, eu sou do tipo, J., que abre cartas de desconhecidos. Na verdade, a sua carta foi meu sopro de vida durante esses dois últimos meses. Eu não ligava mais para muita coisa, não. Mas eu pensava diariamente numa carta que eu tinha para responder. Só que na verdade eu gostaria de prolongar essa resposta quase que infinitamente, sabe? Por medo. Você me entende, J.? Por medo. Assim. Vai que eu respondo a você, e você não mais me escreve?

Não repara não na minha escrita, muito menos na minha letra. Essa escrita fragmentada, essa letra tremida. Esses recortes de mim. É que eu ainda não consigo dar conta de tudo, não. Tem uma pilha de contas atrasadas aqui na mesinha do abajur da sala, ao lado do braço de um dos sofás. Tem coisa há mais de mês aqui. Minha mãe ficou internada por trinta e nove dias. Eu contei. Eu vinha em casa, tomava um banho, descansava uma ou duas horinhas só na cama e voltava para o hospital. Eu sou professora. Pedi licença na prefeitura assim que o médico me disse que o caso da minha mãe era sério e que poderia ser irreversível. Engraçado são os médicos, não é, não? Eles sabem exatamente o que vai acontecer, ou o que já aconteceu, mas sabem como ninguém dar uma informação que não diz nem sim nem não. E aí deixam a gente assim, desnorteada, com cara de assustada, mas precisando mostrar uma segurança que não existe. Foi assim que cheguei na escola e falei que precisava de trinta dias de licença para cuidar da minha mãe. E quando me perguntaram o que ela tinha eu fiquei muda. Eu travei. E caí num choro. Na frente da diretora da escola. Que precisou chamar uma outra professora para me trazer um copo com água e açúcar para me acalmar e para que eu pudesse dizer aquilo que eu não sabia.

Foi então que eu percebi que numa carta eu posso verbalizar direitinho o que eu não sei. Acho que isso é o mais marcante numa troca de cartas, você não acha? Essa incongruência. Nós escrevemos para contar daquilo que é nosso, daquilo que nos acontece, daquilo que acreditamos que é nossa vida, mas na verdade a gente acaba descrevendo aquilo que não sabemos, aquilo que não é nosso mas nós pensamos que é. A gente se escancara para um outro, mas pouco percebe que a gente se escancara também é para nós mesmos numa escrita de carta, seja para quem conhecemos, seja para um desconhecido, como você é para mim, J.

E foi isso o que me levou a enfrentar esse meu medo de lhe escrever. O medo de que não me respondesse mais. E eu sei que ao escrever isto eu empurro a você uma certa pressão, uma necessidade-de-resposta-para-que-ela-não-se-suicide. Mas eu digo que não é para tanto assim. Eu sei o que é viver sozinha, sabia? Sei, sim. Sei muito bem. É algo inerente a mim. O estar só. Portanto, não se obrigue a me responder, não. Passo, a partir desse momento, a não esperar carta nenhuma em meu apartamento. Será melhor assim, creio.

P.S.: Mesmo assim, eu gostaria, sim, de saber da mãe que caiu nesse mundo para você, J. Só isso.

Com afeto,

Cê.

domingo, 10 de outubro de 2010

O choro do inocente (Sônia Pillon)

O parto foi muito difícil. Joana sentiu contrações horríveis, e a dilatação alcançou seu ponto máximo. O médico do SUS insistiu para que seu parto fosse normal. Ela sempre quis ser mãe, todo mundo sabia disso! Olhava os três filhos da vizinha e pensava que seu dia iria chegar. Só não esperava que aquele "cachorro" do marido fosse se engraçar com a secretária, justamente quando mais precisava dele, no oitavo mês de gravidez!...


E agora ela estava ali, completamente sozinha, na sala de parto... Parecia um pesadelo, mas era a mais pura realidade!
Involuntariamente, enquanto aguardava pelo obstetra de plantão, há uma hora atrás, lágrimas escorreram pelo seu rosto, que ela cobriu com as mãos. Finalmente chegou o médico, visivelmente contrariado por ter interrompido seu almoço de domingo com os amigos... Ele nem se sensibilizou com os olhos inchados da parturiente, nem com o desencanto de seu olhar. Quanto antes ele terminasse aquilo tudo, melhor para ele!...


A dor se tornou atroz, a cabeça de Joana parecia que iria explodir, mas o médico mesmo assim optou pelo parto normal. Um menino franzino finalmente nasceu chorando, frágil e pedindo o aconchego da mãe, que desmaiou em seguida. Uma perigosa hemorragia a manteria por mais uma semana no hospital público. Ela mal conseguia amamentar aquele ser, tão magro e assustado, que parecia pressentir a insegurança de sua situação.
Finalmente o médico plantonista comunicou a alta, dez dias após o parto. A mãe e a tia a amparam na saída, com olhares compadecidos. Era tudo o que ela não queria: aquele odioso olhar de piedade estampado nos olhos da família!


Ao voltar para casa, Joana olhou para seu filho e se sentiu impotente. Uma crise de choro se apossou dela enquanto carregava nos braços aquele ser, que esperava por carinho e amor. Subitamente, a rejeição ao menino veio com força total.
Sem entender o que estava fazendo, Joana pega o bebê e o joga do 17º andar. A mãe e a tia gritam, desesperadas, mas nada mais pode ser feito. O chorinho do inocente parou, pouco depois que seu corpo encontrou a calçada. Uma multidão se reuniu estarrecida em volta daquele corpinho já sem vida. E a PM bateu à sua porta, minutos depois.


Texto originalmente escrito em fevereiro de 2008, e adaptado em setembro de 2010.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Os que ainda não são (Tiago Nascimento)

Adolescência é fogo.

Adolescente é bicho preguiçoso.

Essa mania de não escrever usando acentos.

Essa estranha vontade de assassinar a ortografia.

Essa pungente rebeldia quanto ao bom português.

Essa juvenil gana de perverter a gramática.



Adolescência é barra.

Adolescente é bicho carpinteiro.

Tem o digitar com um só dedo no teclado;

Também o nunca usar corretor ortográfico;

Existem bons teenagers, pena não ser aqui;

Por que sempre me sobra o abacaxi?



Ah, mas não foi por mal...

De boas intenções;

De malvados com bons corações;

As ONGs e o inferno estão cheios.



Prô, eu posso tomar água?

De mocinhas ingênuas, chaves de cadeia;

De juniores espinhentos cheios de gírias;

Eu e meu saco já estamos cheios!

Prof. Tiago Nascimento jesuscristohumano@gmail.com

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Você virou (ficou) um jaraguaense? (Marcelo Lamas)

[caption id="attachment_111" align="aligncenter" width="300" caption="http://farm4.static.flickr.com/3212/2690600499_8841b3726e.jpg?v=0"][/caption]


25 evidências


Diz-se que alguém "acultura-se" quando assume hábitos e costumes não comuns na sua origem. Ao mudar de região, muitos tentam manter o estilo de vida que tinham na sua procedência, como as roupas (lojas e forma de vestir-se), médicos, compromissos e culinária, entre outros.

Porém, conforme o tempo avança, as pessoas acabam cedendo à sua relutância inconsciente e ajustam-se ao ritmo de vida do meio onde estão inseridas.

Para ser um jaraguaense (por opção ou necessidade) basta enquadrar-se em, pelo menos, cinco dos itens a seguir:

1) Comprar um terreno ("schon");

2) Casar com uma frida (ou fritz), sendo que às vezes eles vêm acompanhados dos terrenos;

3) Ter um pijama da Malwee (exigido na hora da compra);

4) Ter um automóvel com placa de Jaraguá do Sul;

5) Ter um cartão Breithaupt;

6) Achar Guaramirim longe;

7) Ter como meta de consumo uma casa em Barra Velha;

8) Ir, pelo menos uma vez na vida, ao Chopp Club ou Vitória;

9) Ir à missa todo o sábado ou domingo à noite;

10) Ouvir o resultado do jogo do bicho no rádio;

11) Confundir-se, sem perceber, ao pronunciar o duplo "r";

12) Não conseguir sair do supermercado sem levar consigo uma lata de salsicha, um quilo de banana, um pacote de linguiça e um vidro de pepino em conserva;

13) Conhecer o refrão de três músicas alemãs e dançá-las com maestria;

14) Carregar guarda-chuva na bolsa;

15) Em viagem, quando perguntado: " — De onde você é ?", responder: "Jaraguá do Sul".

16) Passar o domingo no Parque Malwee;

17) Fazer analogias favoráveis à sua terra natal, mas estar residindo por aqui há mais de três anos;

18) Ter um filho em Jaraguá do Sul;

19) Ter uma segunda profissão para "engordar" o orçamento;

20) Trabalhar mais de dez horas diárias, naturalmente;

21) Preocupar-se com uma possível seca, depois de uma incrível sequência de três dias ensolarados;

22) Transferir o título eleitoral para Jaraguá do Sul;

23) Trocar o carro usado em Curitiba;

24) Parar no meio do expediente para comer um pão trazido de casa;

25) Achar qualquer prato sem batatas, incompleto.

A situação de "aculturar-se" em Jaraguá do Sul torna-se irreversível, quando você se enquadrar em todos as situações acima, ou ainda medir o seu percentual, preocupado em não parecer um nativo local.
Mas o interessante é chegar sozinho à conclusão de que você é um jaraguaense.


Marcelo Lamas, autor de "Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora".

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Estava esperando por você (Sônia Pillon)





Hoje acordei com essa sensação estranha de paz. O sol de outono que entrou pela janela, sacudindo as cortinas, e o canto dos pássaros no cinamomo me fizeram muito bem. Pela primeira vez, depois de tantos anos, não senti aquela angústia cortante, aquele desânimo de ter que enfrentar mais um dia interminável, empurrada pela enfermeira nessa cadeira de rodas pelos frios corredores desse asilo “cinco estrelas”. Podem dizer o que quiserem, mas para mim esse lugar nunca passou de um depósito de velhos à espera da morte.

Dez anos!... Não dá para acreditar que o Ernesto morreu daquele jeito, de ataque cardíaco... Pensando bem, até que faz sentido, porque ele tinha um coração de ouro, mesmo. Todo mundo dizia isso. Eu é que era a megera! Só um homem como ele para aguentar o meu mau humor, o meu temperamento explosivo, a minha arrogância, durante quase 50 anos... Mas na época, aquela calma toda dele me irritava! Como eu fui cega e ingrata, por não saber retribuir a dedicação do amor da minha vida...


Só depois que ele morreu e que a nossa única filha me jogou aqui, e se apoderou de todos os meus bens, é que eu entendi o quanto ele me amava! Mas a culpada disso tudo sou eu mesma, que sempre ensinei à ela que o mais importante nessa vida era ter status e dinheiro. Deter o poder, acima de tudo! Estou pagando o preço da minha própria soberba.


No começo, até que a Carmem vinha aqui fazer o papel de filha prestimosa, mas foi só eu passar a procuração para ela tocar os negócios da empresa que as visitas começaram a rarear, até cessarem totalmente. Me deixou uma enfermeira particular e crédito para tudo o que precisasse aqui dentro. Quanta bondade!...


Desde que eu tive o derrame e fiquei condenada a não andar nunca mais, pouco tempo depois da viuvez, sempre amaldiçoei essa cadeira! Odiava ver essas minhas pernas atrofiadas e cobertas com esse cobertor xadrez. Era insuportável ver o olhar de compaixão das pessoas quando me viam. Quem diria, a poderosa e temida dona Gertrudes, entrevada para sempre! Com certeza muitos devem ter dito que era castigo, e deve ter sido mesmo.


Estranhamente, hoje toda a minha revolta parece ter perdido o sentido. O abandono, a minha paralisia irreversível, a solidão, nada disso parece mais importar. Pela primeira vez, desde que vim para cá, essas lágrimas não são de tristeza. Estou me sentindo tão feliz! Inexplicavelmente, sinto um alívio que vem do fundo da alma. Solto um longo suspiro e parece que toda a dor se dissipa.


- Bom dia, dona Gertrudes! Hora de levantar! Dormiu bem a noite?, perguntou a enfermeira, ao entrar subitamente no quarto, com sincera preocupação no olhar.


- Sim, Ângela, dormi muito bem, não senti dores nem tive pesadelos essa noite. Acordei com o sol e com os som dos passarinhos...


- A senhora está chorando?! O que aconteceu?...


- Está tudo bem. Eu estava me lembrando do meu velho. Esse mês fazem dez anos que ele me deixou. Ele era um homem muito bom...


- É, ouvi falar dele, sim. O pessoal aqui do ancionato diz que ele era um homem muito querido, até pelos empregados... Mas agora está na hora de tomar o seu remédio, dona Gertrudes. Isso. Agora vamos trocar esse fraldão e depois tirar esse camisolão... Daqui a pouco vão servir o café no refeitório.


- Ângela, hoje eu quero que você me coloque aquele vestido de veludo verde e arrume o meu cabelo. Quero ir bem arrumada para o café. E depois quero passear um pouco no jardim, aproveitar esse sol da manhã.


- Boa ideia, dona Gertrudes! Essa história de ficar trancada o tempo todo dentro desse quarto não estava certo! A partir de hoje, vamos sempre passear lá fora, a não ser que chova, é claro. Vai lhe fazer muito bem para a saúde. Eu sempre lhe disse isso, lembra?


- Quero o meu cabelo bem penteado. Assim. Agora me traz aquela necessaire ali. Estou precisando de uma base e de um batom suave. Isso mesmo. Obrigada. Não dá para fazer milagre com 80 anos nas costas, mas sempre ajuda...


- Ora, ora, a senhora está ótima! Vamos então que o café já está na mesa... Sorriso no rosto, isso mesmo...


- Quanta gente por aqui... A Filomena também?! Foi minha comadre... Éramos tão amigas, antes do meu casamento... Ela ainda deve estar magoada comigo...


- Ela tem Mal de Alzheimer, não reconhece mais  ninguém... Tem um filho que a visita toda a semana, mas ela fica sempre assim, com o olhar perdido...


- Que pena... Gostaria de conversar com ela, lembrar da nossa juventude... Olha, Ângela, tem cuca de banana com farofa, que eu adoro... Eu devia ter vindo mais vezes fazer as refeições com os outros... Teria me sentido menos só...


- Aproveite que o café de domingo é especial... Ué? Já terminou?...


- Sim... Agora pode me levar para o jardim, debaixo daquele cinamomo lá, perto do portão... Tem uma sombra gostosa, e assim posso ver as flores e respirar um pouco de ar puro...


- Pronto. Chegamos. Precisa de mais alguma coisa, dona Gertrudes?


- Sim. Tenho um pedido especial para você.Quero que me perdoe por ter sido sempre tão grosseira com você, Ângela. Você sempre foi muito dedicada e eu nunca agradeci por isso...


- O que é isso?... Eu entendo... Não se preocupe... Claro que eu desculpo, esqueça isso, dona Gerturdes... O importante é que a senhora está se sentindo bem e que a partir de hoje vai passear mais, ficar mais alegre...


- Eu sempre fui muito perfeccionista. Exigia demais de mim mesma e dos outros. Humilhava as pessoas que não eram da mesma classe social. Se pudesse voltar atrás... Ângela, será que você pode conseguir uma câmara para fotografar esse jardim? Está tão bonito...


- Claro, vou buscar o meu celular, já volto... Qualquer coisa, dê um grito para a Claudete, que está limpando o salão de visitas...


- Não se preocupe comigo, eu estou bem, Ângela... Vai... Hoje o céu está tão azul... Não tem nenhuma nuvem... E essas rosas vermelhas... Lindas!... As borboletas estão fazendo a festa... O gramado parece mais verde do que de costume. Ah, finalmente!... Meu amado!... Senti tanta saudade!... Estava esperando por você...




Texto produzido em 2 de agosto de 2010.

Sônia Pillon, jornalista e escritora
soniapillon@gmail.com

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Traços em letras sobre historias vivas (Adriana Niétzkar)

CRIO!
o inexistente
IGNORO!
o real


Fecho os olhos
para povoar meu mundo
ACREDITO!
eles não têm livre arbitrio
IGNORO
crescem sozinhos
minhas letras são apenas mais um traço
acima de linhas vivas
nasceram de mim
crescem em mim
terra que dá os nutrientes
que não comanda
o crescimento
e a morte...

Libertação (Sônia Pillon)

A vida é muito estranha, às vezes. Acho até que as pessoas esperavam que
eu chorasse,vestisse roupas escuras e me sentisse profundamente triste. Deus que me
perdoe, mas fazia tempo que não me sentia tão aliviada! Parece que tirei
um enorme peso das minhas costas! E pensar que eu quase não reparava
mais no pomar lindo dessa casa! A goiabeira está lotada.


Aquele cinamomo antes me parecia tão escuro, tão assustador, que me
dava arrepios!...Como é que eu não tinha reparado essas folhas tão verdes,
esse cheiro de mato molhado em volta?! E o pé de pitanga, que coisa mais
linda!... Como a natureza é sábia! Ah, como é bom fechar os olhos e ouvir
o ruído do vento e das folhas, e lembrar do colorido das flores rasteiras! E
as rosas do jardim? Hoje estou me sentindo com 20 anos de novo!...


Quantas vezes eu estive aqui, andando automaticamente por esse pomar,
reclamando que os passarinhos estavam comendo as frutas, a sujeira que
faziam por tudo... as folhas que caíam e eu precisava limpar... Sempre
ligada no piloto automático, como diz a minha filha... Sim, ela tem toda a
razão!... A minha vida era tão vazia de emoção que até a beleza desse lugar
passava despercebida para mim.


Mas hoje tudo parece diferente, porque meus olhos voltaram a enxergar
cores onde antes eu só via em preto e branco
Quantos passarinhos! Eles adoram as minhas frutas, que maravilha! Eu não
vou poder comer tudo, mesmo. Só assim eu sempre vou ser acordada pelos
passarinhos na janela...


Preciso trocar aqueles lençóis e esvaziar um lado do armário. Não faz
sentido mais guardar aquelas roupas. Melhor ainda, vou comprar uma
cama e um armário novos, e comprar roupas novas também! Vou dar uma
repaginada nesse visual, é isso que vou fazer!
Alô! É da agência de viagens? Quero reservar uma passagem para aquele
cruzeiro de final de ano pela costa brasileira. Sim, aquele que o Roberto
Carlos se apresenta. Ainda tem vaga? Sim, só para uma pessoa. Ótimo!
Obrigada! Tchau!
A vida é mesmo muito estranha, às vezes...



Texto originalmente produzido em fevereiro de 2008, e adaptado em agosto de
2010.

sábado, 18 de setembro de 2010

O Puxa-Saco (Marcelo Lamas)

Há tempo estou por publicar minha opinião sobre o comportamento do Puxa-Saco (PS). O risco é enorme, pois o PS tem uma grande virtude: a competência estraté­gica. Em todo batizado, casamento, show, encerramento, chá beneficente, jantar e velório, lá está ele ao lado da mesma pessoa.

Para identificar um PS, basta observar qualquer evento social. Ele estará próximo de alguém que tenha poder, status ou influência. O puxa-saquismo lateral, no mesmo nível, não existe.

O gaúcho Mario Quintana alertava: “sempre me senti isolado nessas reuniões sociais, o excesso de gente impede de ver as pessoas”.

Não se devem confundir as técnicas de um PS com a sintonia humana. Ela acontece quando duas pessoas se conhecem e percebem alguma afinidade, naturalmente. O PS cria a situação, premedita. É possível que odeie pei­xes, mas ao descobrir a afinidade do “alvo” com pescaria, compra equipamentos, estuda os tipos marinhos, consul­ta os entendidos e parte para o ataque.

O PS, quando vê a aproximação do seu alvo muda o tom da voz, interrompe uma conversa já iniciada e pode, até mesmo, sair de uma fisionomia fechada para um sor­riso aberto.

O alvo do PS, com o passar do tempo, percebe a necessidade química do dependente e passa a usufruir da espontaneidade, disponibilidade e voluntariedade. Daí se aplica o pensamento de Nélson Sargento: “Você finge que me ama e eu finjo que acredito”.

Até pensei em lançar o livro “100 maneiras de iden­tificar um Puxa-Saco”, mas lembrei que talvez fosse ne­cessário ter que puxar o saco de algum editor, para con­vencê-lo a acreditar no projeto. Então, peguei o rascunho e escondi no fundo do cofre que fica num lugar secreto. A chave reserva do cofre está com um amigo oculto. Se eu for sequestrado ou sumir do mapa, ele manda pra edi­tora.



[caption id="attachment_101" align="aligncenter" width="187" caption="http://www.christiangump.net/corporativo/puxa_saco.jpg"][/caption]

Marcelo Lamas
, autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”. marcelolamas@globo.com

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

eu sempre quis escrever um poema com sapatos (Ítalo Puccini)

eu sempre quis escrever um poema com sapatos.
vesti-los
e andar por aí a amaciá-los,
como que fazendo brotar dali um poema.

porque o poema, quando brota,

traz consigo um susto,
um estranhamento,
como de quem veste sapatos
para fazê-los,
ou usá-los,

poema e sapato.


mesmo que incompleto,

mesmo que sem sola,
eu sempre quis escrever um poema com sapatos.

ítalo puccini.

eu sempre quis escrever um poema com sapatos.
vesti-los
e andar por aí a amaciá-los,
como que fazendo brotar dali um poema.

porque o poema, quando brota,
traz consigo um susto,
um estranhamento,
como de quem veste sapatos
para fazê-los,
ou usá-los,

poema e sapato.

mesmo que incompleto,
mesmo que sem sola,
eu sempre quis escrever um poema com sapatos.

domingo, 5 de setembro de 2010

A viagem (Tiago Nascimento)

Navegar em mares nunca dantes navegados.

Explorar reconditos úmidos, insalubres, intocados.

Conhecer aromas e odores exóticos.

Se perder por caminhos ilusórios e lógicos.

Descobrir uma rota alternativa.

Economizar combustível: amor ou gasolina.

Porque petróleo move minha barca colorida,

Mas são os amores que me levam pela vida.




Prof. Tiago Nascimento.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

No ginecologista (Marcelo Lamas)

Há tempo que a visita estava prometida. Por duas vezes recebi de presente livros escritos pelo Dr. Lori Krusser. O médico renomado no pampa gaúcho é daqueles que merecem ser chamados de doutor. Da escola antiga, em que o médico ia à casa do paciente e que as consultas não eram relâmpagos. O médico olhava no olho do doente. Especialista em seres humanos, o Dr. Lori fazia todo tipo de atendimento e cirurgias.

Depois de ler os livros do Dr. Lori, cheios de causos de cidades do interior, escrevi-lhe uma carta comentando sobre a riqueza da sua literatura. De alto nível, ambos: “Prosa à sombra do cinamomo" e “Gado da mesma marca”, com pleno teor de sentimento em suas linhas, coisa que só os grandes escritores conseguem fazer, como Erico Verissimo. E este não é um pensamento isolado meu, pois o senhor de cabelos grisalhos foi convidado para participar da Academia Sul-Brasileira de Letras. Recusou o convite, acreditando modestamente que, com apenas duas obras, não era digno de ocupar uma cadeira de imortal.

Assim, procurei o Dr. Lori para termos uma conversa sobre a arte de escrever. Ele marcou no seu consultório, às três e meia da tarde, depois da última consulta.
Quando cheguei, antecipado, li na porta: DR. LORI KRUSSER — GINECOLOGISTA.
Pensando no mico de entrar num consultório daquele, lembrei do provérbio popular: “Já que estamos no inferno, o que custa dar um abraço no diabo?” Entrei e fiquei lá no meio da mulherada, que aguardava consultas com ele, sua filha e seu genro, todos médicos de senhoras.
Algumas me olharam estranhamente, mas graças à modernidade globalizada, logo me senti invisível, tudo normal.
Mas, quando a recepcionista me chamou pelo nome, todos, digo, todas, riram.


O homem septuagenário me recebeu feliz, por conhecer alguém que admirava seu trabalho de contador de histórias.
Entre muitos, me contou um causo da época em que era jovem e visitava sua cidade natal de Santaninha, no centro do RS, onde uma mulher grávida estava com muita hemorragia. O médico fez o primeiro atendimento e seguiu numa carroça junto com a paciente para o hospital, onde conseguiu controlar a perda de sangue, salvando a mãe, mas o bebê infelizmente não teve a mesma sorte.
Com a mesma modéstia de quem não aceitou a homenagem das letras, disse: “Não fui eu quem salvou a mulher. Foi o Homem lá de cima. Ele “apenas” me utilizou como instrumento”.





Marcelo Lamas, autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”.
marcelolamas@globo.com

sábado, 28 de agosto de 2010

SONHEI VOANDO (Cristina Pretti)

[caption id="attachment_76" align="aligncenter" width="300" caption="foto: R. Zerrenner"][/caption]



Saí correndo ladeira a baixo

Com o incômodo no umbigo

daqueles que dá

quando a gente sente no vai e vem de um balanço...

Me fez sentir

que estava voando...

Fiquei leve...

Senti MEDO.

Voei mais alto,

como pássaro de asas grandes...

Sobre as copas de árvores robustas e frondosas,

levei comigo bandos de andorinhas.

Sobre prédios rasgando meu coração...

Sobre fios de alta TENSÃO...

Tive MEDO.

Voei areias brancas e o mar...

O sol acariciando meu corpo

Senti PROTEÇÃO.

Por nuvens brancas, macias, porém frias,

Congelei o MEDO.

DESPERTEI

Da janela do quarto entrava uma brisa da madrugada...

Finalizando o sonho com o começo de minha realidade.




Cristina Pretti (Artista Plástica) Blog: http://www.cristinapretti.blogspot.com/

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

OVNI Chinês (Tiago Nascimento)

[caption id="attachment_68" align="aligncenter" width="300" caption="http://inconscientecoletivo.net/wp-content/uploads/2009/05/ufo_china.jpg"][/caption]

Um OVNI chinês me salta aos olhos, parece querer saltar da home do site de notícias.

Manchetes alarmantes maltratam meus olhos. Enchentes, furacões, morte e destruição.

Onde está o nexo disso tudo?

Como saber se sei tudo o que está acontecendo no mundo?

Como saber se não existe um complô contra o belo?

Meus alunos parodiam o hino nacional e destilam pessimismo em suas canções.

Meus confrades torcedores ironizam o técnico, o elenco, corneteiam até o roupeiro do clube…

Um secretário municipal desacredita de sua capacidade de mudar o mundo, a política, o município, tudo (nada) enfim…

A TV faz-me ver o quão ruim e duro é viver o século XXI.

Mas sou um otimista. E ensino meus meninos que a gente pode mudar. Que o mundo tem conserto. Que o belo ainda subsiste. Que nem sempre foi assim ou que nem sempre assim será…

Acredito!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A parceria com o pai (Marcelo Lamas)




[caption id="attachment_64" align="aligncenter" width="223" caption="http://paulojales.files.wordpress.com/2006/12/futebol.jpg"][/caption]


Na infância tínhamos um time de futebol que era gerido pelo sistema sócio-atleta, expressão para dizer que todas as despesas eram bancadas por nós, os jogadores. E não havia interferência de adultos na nossa instituição.
O nome do time tinha vindo escrito nas costas do uniforme que compramos de segunda-mão: Americano FC. O negócio foi feito às pressas, com o dinheiro que um colega tinha ganhado no jogo do bicho, antes do Torneio Dia da Criança, que viria a ser o nosso primeiro troféu.
Com o passar do tempo, aquele uniforme verde, de tamanho adulto, enorme para uns magrelos de 12 anos, estava muito feio, desbotado.
Numa noite, sonhei que nosso time estava jogando com um uniforme novo, personalizado com nossos nomes nas costas.
Falei com o Julinho, que era da loja de esportes da cidade e ele fez um orçamento. Reuni a turma para ver se a soma das mesadas seria suficiente. Em cinco meses dava para pagar tudo. O sonho começava a tomar forma.
Houve um problema. Crédito. Como o valor era alto, fiquei com medo de que meu credor paterno se recusasse a fazer a compra.
Na época, um negócio lucrativo era guardar dólares. Eu sabia onde era o depósito no guarda-roupa.
Para cometer um “meio-delito”, contei pra mãe uma parte da história:
- Oh! Mãe! Será que tem problema se eu pegar uns dólares emprestados lá do armário pra comprar “coisa” de jogo, os guris vão me pagar depois.
Como a minha mãe tinha uma vida agitada de mãe, doméstica, estudante e enfermeira, não perguntou qual era o valor e nem “quando era o depois” e respondeu:
- Acho que não tem problema filho, eles sempre pagam direitinho.
Entendi como autorizado.
Alguns dias depois, cheguei em casa com a camisa número 5 e empolgado fui mostrar pro pai. Como ele já tinha doado parte do pagamento da inscrição de um campeonato praiano, era sabedor da situação financeira do nosso clube. Nem elogiou a camisa:
- Com que dinheiro vocês compraram essas camisas?
Desportista, ele tinha noção do preço dos artigos esportivos e a galera não tinha sido modesta na escolha da marca.
Depois da cara de espanto e da longa gaguejada, expliquei a origem dos recursos.
- Levei um sermão enorme, proporcional ao crime doloso e também pela tentativa e acerto ao ludibriar a mãe. Ainda bem, que logo chegou a hora do pai sair pro trabalho e o discurso terminou.
Fiquei com a consciência pesadíssima e envergonhado.
No meio da tarde o telefone tocou. Eu tava escondido no quarto, quando minha mãe me chamou. Era o pai no telefone.
Eu estava certo que o assunto seria um aumento sumário na penitência. Sem rodeios, ele falou:
- Marcelo, onde vocês compraram as camisas?
- Na loja do Julinho, pai.
- Liga pra ele e pergunta se dá pra fazer mais uma camisa, no meu tamanho e com o meu nome.
A intenção dele era ser apenas um torcedor uniformizado, mas recebeu um convite especial para ser o primeiro adulto a jogar no time, quando começamos a enfrentar adversários maiores.
Jogava melhor do que eu e a pegação no pé era grande.
Ano passado, consegui resgatar a camisa que tinha meu nome nas costas. De doação em doação, tinha passado por vários primos e tava guardada na casa de um deles.
Não tenho pretensão de ter um museu com as minhas relíquias, mas aquela camisa faço questão de guardar e é a preferida da minha modesta coleção.

Marcelo Lamas, escritor.

marcelolamas@globo.com

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Reticências (Adriana Niétzkar)



[caption id="attachment_52" align="aligncenter" width="300" caption="http://www.juniorflor.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/07/Sil%C3%AAncio-nas-palavras.jpg"][/caption]


- ...

-Tu já percebeu como as palavras perdem seus significados? Tava vendo lá o significado da palavra maracutáia; acredita-se - sim porque cada vez se tem menos certeza nessa vida... pelo menos isso – que mara é uma palavra de índio, que significa confusão. Aí, passados os quinhentos anos de desapropriação o sujeito mostra lá a reserva indígena e fala que pro índio é tudo mara. Se bem que nesse caso pode até ter muito significado pro índio, não com o nosso português, nessas gírias ai que faz muito gramático torcer o nariz, mas no significado tupi. Mas a partir daí ninguém mais se entende, porque pra cada um a palavra tem outro sentido. É como os ministérios do George Orwell, o ministério do amor cuidava para que as pessoas não se apaixonassem, o do pensamento que as pessoas não pensassem. Tava tudo mara? Em qual sentido?
Já penso nas conversas sobre o tempo? é uma não conversa de quem não quer dizer nada mas não suporta o constrangimento do silencio, ficar ao lado de alguém sem nada dizer, no entanto se fala e nada diz.
É, to querendo dizer que há muito tempo você nada diz, mas eu também não digo muita coisa, parecemos estar falando sobre o tempo ou coisas que tem outro significado. Não, não quero dizer nada com isso, só estive pensando, que tudo que dizemos são contrários do que fazemos, talvez o que queremos também sejam.
Não pense que quero culpar alguém, a culpa é de nossos medos, de nossas acomodações, da nossa incapacidade de estarmos dispostos a perder tudo, a desmontar tudo para começar tudo de novo. Cada vez se tem menos certeza das coisas e todas essas incertezas tem confundido o sentido das nossas palavras, das suas para mim e também das coisas que digo para você. Não, eu não minto, mas logo que digo, mudo de idéia. E você fica sem saber o que sou., por mais que eu não queira que seja assim... Você também tem mudado depois de dizer? Minhas palavras estão fazendo confusão? Estão sendo mara? Em qual sentido? Como não sabe? Você ta querendo me confundir? É eu sei, a minha cabeça ta uma confusão, talvez seja por falta de pratica.
Tenho pensado pouco, tenho que exercitar o pensamento. Essa confusão sobre o significado das minhas palavras tem me tirado o sono. Eu quero entender o que digo.
Tenho me sentido dentro dos ministérios do Orwell, na realidade criada por ele não tinha outra realidade, será que na nossa tem? Será que podemos voltar a amar e pensar? Temos que tomar cuidado com a policia do pensamento, com os apreciadores de iguarias cerebrais, não esquece do aviso do Raul... Cuba? Não, não quero beber, quero entender as mensagens das musicas, não das que temos ouvido, que são conversas sobre o tempo, mas das músicas que foram pensadas, precisamos procura-las, elas ainda estão por aí...
O que você esta procurando? Psiquiatra?! Ah não! Você não!!! Você tem de desistir do controle, preciso que você desista do controle... da TV?! Também! de achar que controla porque aperta o botão, todos os canais pertencem ao controle. Pare de falar um pouco e me escuta; tudo bem, não precisa pensar agora, achar por hora basta, a gente resolve isso com o tempo. É que é bom pensar na solidão, mas amar...
- ...






sexta-feira, 13 de agosto de 2010

esse cara tem me consumido (Ítalo Puccini)

cazuza, vem cá, senta’qui, vâmo conversar. eu sei que tu tá perdido, assim, sem pai nem mãe. eu sei que o que te resta são raspas e restos. e mentiras sinceras. então mente pra mim, vai, pode mentir. mente acreditando na tua mentira. faz isso que tu vai ver como tu vai se sentir melhor. confie em mim, cara, me ame como a um irmão mesmo. como a uma irmã. eu sei lidar com essas coisas. tenho também dezesseis anos e vivo em conflitos que me afastam de todos. brigo com todo mundo mesmo. fico com vários e várias ao mesmo tempo. há quem goste disso, há quem me odeie por isto. mas nem aí, não é mesmo? somos quase maiores-abandonados já. temos de nos virar. não somos pura fama, não é, cazuzinha? por que você tá tão quieto assim? hein? me diz. vem, se abre aqui comigo. a gente meio que ama odiando, né? daí causa essas coisas todas aí nas pessoas. gente que não se garante, que não se satisfaz consigo mesma. a gente não, né, cazuza, a gente tem tudo o que a gente precisa, e mais um pouco ainda, né? a gente vive de pequenas porções de ilusões muito bem construídas, não vive? assim, no lado escuro da vida mesmo. fala, cazuza, pode falar. pode deitar tua cabeça aqui no meu colo e chorar. chorar muito. mas fala também enquanto chora. é bonito isso, alguém chorando e tentando falar, e não conseguindo, e daí fica aquele soluço cortando palavras. isso é muito bonito, cazuza. faz isso pra mim, faz. tô aqui te dando colo e tudo. e, ó, declara guerra a quem finge te amar. chega de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia, tá? eu te ajudo com isso. eu lembro que tu já me chamou de amor da minha vida. um negócio daqui até a eternidade. eu lembro. me dizia que me podia me pegar escola e ainda me encheria com todo o teu amor. então, cazuza, vê como é fácil? tu sabe que eu tenho tudo o que tu precisa. e mais um pouco ainda. eu posso ser tuas rosas roubadas. posso ser pétala para ti. posso ser espinho. mas eu quero ser tua comida. quero ser todo o amor que houver nessa tua vida. tu me deixa, cazuza, tu me deixa? nosso amor tem que dar certo. não tem nada de desperdiçar blues de djavan nem de buscar ideologias para viver, não. a gente é e tem que ser um para o outro só. a gente sabe se amar. a gente aprende, pode aprender, então. a gente não consegue ficar amigos sem rancor. a gente tem que se amar mesmo que a nossa música nunca mais toque. a gente não pode desperdiçar nosso mel assim, não. a gente tem que se grudar, cazuza, se grudar. proteger o nome um do outro. por amor mesmo. guardar em um codinome. o que tu acha? tu sabe que eu posso ser tua dentro tua orelha fria. posso dizer segredos de liquidificador pra ti. tu sabe. tu sabe que quando tu sai de perto eu penso em suicídio. por mais que tu sempre volte com as mesmas notícias. eu sinto tua falta, cazuza. eu sinto falta de te ter assim no meu colo. sinto falta das tuas frases feitas, das tuas noites perfeitas. das nossas noites perfeitas. eu queria poder te negar. mas eu não consigo. e tu sempre volta’ssim pra mim. noite sim, noite não tu tá’qui entre meus lençóis. me fazendo cafuné, me chamando de mulher sem razão. até cantando caetano pra mim, dizendo que eu sou apenas uma mulher. e assim eu não consigo te negar, cazuza. assim eu tenho de ser artista nesse nosso convívio, pr’essa nossa poesia que a gente vive e não vive. boca, nuca, mão. tudo de ti, cazuza. um remédio de ti eu quero. que me dê alegria. que não me deixe assim down. porque daí eu fico assim sem saber o que meu corpo abriga. e tento me esquecer, porque nessas horas pega mal sofrer, tu me diz. eu sei que só as mães felizes, mas a gente também pode ser, não pode? eu sei que tu não pode causar mal nenhum a não ser a ti mesmo. mas pensa um pouquinho mais nisso. te ver assim me deixa mal. tu me causa mal algum, sim, tá vendo? e eu tento aqui te ajudar, assim, te amar mais e mais, mas tu fica assim quietinho no meu colo e me deixa mal. porque eu sei que daqui a pouco, quando tu acordar, tu vai embora, vai pra rua, vai por aí, assim, e eu não sei quando tu vai voltar. e já me dá saudade de quando a gente conversa assim deixando escapar segredos. e eu não sei em que hora dizer que me dá um medo. porque eu preciso dizer que te amo. te ganhar ou perder sem engano, cazuza. eu preciso dizer que te amo. tanto.



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Gosto dos cachorros?! (Adriana Niétzkar)

Eu não gostava mais de cachorros, era o que parecia, era o que percebia em mim, dia após dia, com o passar do tempo... Eu olhava para o Toby pulando na janela, na porta, pedindo atenção, eu queria dar atenção, mas quando estendia a mão ele pulava e eu me irritava. Há muito tempo minha mãe conversava com minha vizinha - “ ela gosta tanto de bichos e quase morre pedindo um cachorro” minha vizinha diminuía meu desejo insano - “ depois ela cresce e perde o interesse” eu duvidava. Até a chegada do Toby.


Eu olhava para o Toby e o achava bonito, queria brincar com ele, ele aprendia truques com facilidade, mas eu não gostava do modo como ele pulava em cima de mim cada vez que eu abria a porta, a agitação dele perturbava meu sossego. Os latidos de madrugada não impediam meu sono, não era isso, eu só não sentia prazer em brincar com ele. E conclui que não gostava mais de cachorros.


Como nos conhecemos pouco, como nos entendemos pouco... Eu gosto de brincar com os cães dos meus amigos, não me irrito com acidentes em meus sapatos e roupas, mas não gostava de brincar com o Toby. Conclui que gosto de cachorros para ver de vez em quando, em alguns dias, mas que no meu canto era melhor ser só.


Fiquei do cuidar do Duque por duas semanas, as duas semanas já se passaram, continuo não tendo paciência para os acessos de euforia do Toby ao me ver, mas continuo gostando de brincar com o Duque. Ele pula, ele late, é um cão, não é muito diferente do Toby. Mas gosto de quando ele pula em mim, gosto de quando ele late, gosto dele no meu colo.


Sinto pelo Toby e pela vontade que tenho de brincar com o Duque dou a mesma atenção aos dois, mas eu gosto mesmo de brincar com o Duque. Já passaram as duas semanas, não quero que o Duque vá embora, vou sentir sua falta, um dia ele vai, posso prolongar algumas semanas nada mais. Quando ele se for continuarei a não ter paciência com o Toby, não é justo com ele ficar com alguém que não da atenção que ele merece, ele é um bom cachorro, é bonito, inteligente, adora brincar de pegar gravetos, sei que muitas pessoas seriam muito felizes com ele.


Talvez você seja... Se você quiser levar ele para casa, se você gostar de brincar com ele, ele merece alguém que goste dele como eu estou gostando do Duque. Estranho, eu pensei que gostava de cachorros eu cheguei a pensar que tinha deixado de gostar. Como a gente leva tempo... foi tempo pra eu entender, eu queria um cachorro, mas não qualquer cachorro. O Toby não é qualquer cachorro, mas pra mim é como se fosse. O Duque é um cachorro, mas pra mim não é só um cachorro. E eu tenho que respeitar esse meu gostar... Quando o Duque se for não ficarei com o Toby para ter um cachorro porque eu descobri que eu gosto de cachorros, mas não de todos os cachorros.



quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Gatos (Tiago Nascimento)

Eu tenho um gato.


Anônimo.


Já tive dois.


Um deles preferiu exilar-se no mundo a ter minha companhia cotidiana. Explico-me, era um tanto rabugento naquelas eras.


Com seu desaparecimento mudei. Já disse alguém que só damos valor à alguém quando o perdemos. Talvez estivesse certo...


O fato é que mudei. Tornei-me o melhor dono que um gato poderia querer e ter, pois há uma distância considerável entre querer e ter. Mas isso não vem ao caso agora.


Minha repentina mudança, forçada talvez, fez com que por alguns momentos meu segundo bichano me quisesse ter por perto. Por algumas breves tardes & noites nos aninhamos na mesma poltrona da sala, cada um com suas atividades, cada um com seus afazeres e prazeres: Um filme de Kubrick, tigela de leite quente, um cd de Jorge Drexler,  carícia na orelha esquerda, uma aventura com Hercule Poirot, cobertor quentinho (...)


Mas aí veio a paixão. A arrebatadora paixão. Quantos casamentos já não armou? E quantos divórcios também? A controversa paixão.


Meu segundo gato trocou-me por uma gata qualquer no cio. Respeitei sua opção, afinal sou um dono compreensivo, quase um pai. Mas isso não impediu um ou outro suspiro saudoso de escapulir-me pelo peito acima, boca-nariz abaixo.


Suspirei.


Mas sobrevivi.


E agora, quando já me havia acostumado com a falta dele, com a ausência dos pelos cinza no sofá da sala, com a inexistência de rastros felinos enlameados no chão da cozinha, logo agora; ele volta.


E volta galante. Miando de fome, mas imponente. Senhor de si. Como só os gatos podem ser de vez em quando, quando bem entendem.


Meu companheiro voltou. Voltaram as noites frias debaixo do cobertor com um olho no livro, um dedo no controle remoto, um fone no ouvido, um grito de gol livre da garganta, uma pata no colo, um focinho no leite, um homem e um felino misturados numa poltrona arranhada pelas unhas afiadas de quem será?!


Ele Voltou.


Mas como toda ação causa uma reação, segunda-feira no mais tardar mandarei castrá-lo. Sou um bom dono. Mas também sou ciúmento!




:)

terça-feira, 27 de julho de 2010

A idéia.

[caption id="attachment_9" align="aligncenter" width="300" caption="http://blog.ediciona.com/wp-content/uploads/2009/08/escritores.jpg"][/caption]

 

A idéia surgiu num átimo.

Tantos escritores... Por que não juntá-los em um mesmo espaço cibernético?

Então fiz o convite para alguns que eu conhecia, que por sua vez indicarão outros e esses outros ainda outros outros indicarão. E ao final veremos onde essa idéia vai dar.

Mas a princípio é isso: uma cooperativa de escritores. Cada um com seu estilo, cada um com seu ritmo. Quem tem a ganhar é o leitor, que num único clique poderá se deliciar com vários quitutes literários.

Essa é a idéia. Vamos tirá-la do papel????