domingo, 30 de dezembro de 2012

Escritora Convidada: Elianete Vieira

Hoje é 30/12. Falta apenas 1 dia para o término de 2012.
Sempre que um momento especial se aproxima, olhamos para trás e buscamos pelo que falta para seguirmos em frente. Seja na véspera de prova, na véspera da tão sonhada viagem, na véspera de uma apresentação para a banca de mestrado, na véspera de nascer um filho, na véspera do casamento, etc.
E hoje como véspera do fim de 2012 se você ainda não fez a retrospectiva de seu ano, aproveite pois ainda dá tempo. Procure lembrar de tudo o que planejou e realizou. Do que deu certo ou nem tanto. Do que planejou e não fez, identificando o que faltou para essa concretização.
Passado revisto e concluído, vamos para as resoluções de Ano Novo. Mas não funcionará se partir do zero, de uma folha em branco, pois muitas coisas dependem do que já realizamos e como chegaremos às metas definidas. Observe dentre os itens que foram identificados no passado aqueles que estão próximos de realizar bastando um leve empurrão ou uma determinação a mais.
Não coloque para um único ano uma meta grandiosa demais para 12 meses. Mas coloque para este ano a parte possível de ser realizada. Exemplo: a compra da casa própria é meta a ser alcançada em vários anos consecutivos, considere para 2013 juntar a parte que precisará para a entrada.
Metas menores são mais possíveis de serem atingidas e nos fazem felizes em alcançar passo a passo.
Viagem, carro, casa, vestibular, 1o emprego, namorado, escrever um livro, rever alguém que não vê há anos, arrumar armários, pintar a casa, ler mais livros, etc. Seja o que for que estiver em sua lista, procure identificar os passos necessários para atingir essas metas e... Vá em busca de seus sonhos e realizações.
Adeus Ano Velho!!
Feliz Ano Novo!!
Que 2013 traga saúde, paz, amor, realizações e sonhos realizados.


elianetevieira Sobre a autora:


Elianete Vieira é analista de Sistemas formada pela SESAT, Rio de Janeiro, pós-graduada em E-business e Gestão Empresarial e Gestão de Negócios em Serviços pelo Mackenzie em São Paulo. Trabalha em uma multinacional como gestora de contratos de serviço.
É autora do livro técnico/educacional Desvendando a Informática na Melhor Idade.
Participou da Antologia Nossa História, Nossos Autores, edição comemorativa dos 30 anos da Editora Scortecci, lançado em 10/08/2012. Está participando da Antologia Palavras Desavisadas de Tudo que será lançada em dez/2013.
Também é coautora e coordenadora editorial de Reciclando Vidas, livro de ficção escrito em grupo durante o curso "Tornando-se um Escritor" da Escola do Escritor, lançado em 17/12/12.
E a partir de 2013 Elianete Vieira será mais uma integrante do rol de escritores do nosso blog. Ela vai ocupar a data 04 que atualmente está vaga.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Coitadinho... (Inacio Carreira)

Naquela mesa está faltando ele
E a saudade dele está doendo em mim...
Sérgio Bittencourt


Metade homem, metade cavalo. Ou, sendo do sexo oposto, metade mulher, metade égua... Sagitário, o Arqueiro, é representado por um centauro. Metade homem, metade cavalo. Positivo, sua alegria contagia os outros. Este pensamento sugere que o judeu Guido, personagem vivido por Roberto Benigni no filme A Vida é Bela, seja sagitariano. Buscando animar o filho e não tirar, da criança, a inocência que é natural a ela, inventa situações engraçadas para as muito tristes passagens da Segunda Guerra Mundial, que os levou para um campo de concentração.


Ganhar na loteria. Ou no jogo do bicho, tanto faz, o dinheiro seria distribuído da mesma forma entre os parentes, amigos, conhecidos, para que todos à sua volta vivessem mais felizes. Assim pensava, erroneamente, pois dinheiro não trás felicidade. Mas sua vocação para Madre Teresa não a deixava ver claro o panorama. “Onde houver tristeza que eu leve a alegria”, orava toda noite, lembrando São Francisco, o pobre de Assis. Sim, para ela não queria muito, precisava de pouco para viver. Bem. O mais importante era ver pessoas felizes à sua volta. O que, no fundo, no fundo, era um pouco de pretensão de sua parte. Pretendia ser reverenciada como a que proporcionou isto e aquilo, que comprou, que adquiriu, que doou, que...


Ela só não olhava para uma pessoa: o marido, provedor da casa e patrocinador de suas manias de grandeza. Trabalhava, o herói, diariamente, sem desfrutar de férias (gozava férias trabalhando em outra função, na maior das vezes mais cansativa do que sua atividade principal).


Quando o assunto era dinheiro, sexo, a criação dos filhos ou a família, invariavelmente discordavam. É como se ela acreditasse que ele devia pagar pedágio para estar em sua companhia. Ele pagava, com um sorriso nos lábios, embora às vezes tivesse o coração em pedaços. Pela indiferença, pela descrença, por achar que ele nada podia. Só trabalhar...


Confidenciou, a um dos filhos, que somente uma vez tivera um relacionamento extraconjugal, fortuito, a convite da parceira, após ter oferecido uma carona. A mulher soube, como boa sagitariana subiu nos cascos e nunca mais deu folga ao infeliz. Que procurava, à sua maneira, ser feliz, sim, que ninguém é de ferro. Cantava, assobiava, tocava instrumentos rústicos que ele mesmo construía e ela fazia questão de esconder, ou jogar no lixo. A culpa caía, invariavelmente, na prole. Ele, na falta de provas, sorria e criava outros instrumentos... Os filhos lamentam não ter, do pai, tão agradável recordação além da que guardam “no lado esquerdo do peito, perto do coração”.


Certa vez ele escreveu, num arroubo de felicidade:




Sorria


 Se a Felicidade
parece voar distante,
lembremo-nos de quando
ela pousava em nosso ombro
(seus pés acariciavam, até),
comia em nossa mão
(o bico fazia cócegas, lembra?),
andava ao nosso lado
(como é gingado o seu andar...)!
 
A Felicidade é uma ave
de longas plumas de arco-íris,
de canto mavioso,
ovos de ouro...
É migratória.
Ela vai...
... e volta!



Ela, peremptoriamente, rasgou o manuscrito e jogou os pedaços no lixo, matéria que foi resgatada, colada e serviu de base a esta explanação, ou ficaria tudo na base da confiança, na minha palavra somente. Quando, algum tempo depois, ele foi prestar contas ao Criador, ela só teve uma palavra: “Coitadinho”.


Entretanto, possessiva, sem ter a quem comandar, tutorar, ela foi logo atrás, devem estar fazendo a maior algazarra, onde quer que estejam. Quer dizer, ele deve ter feito a maior algazarra a partir do momento em que a viu, já deveria estar saudoso, o Coitadinho.

Bianco (Inacio Carreira)

"Branquíssimo,
ele namorava ursos e ursas.
Era um autêntico
bi polar..."

domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal, a época das ostentações (Patrícia Grah)

Cartão-de-Presépio-de-Natal-12


Mais um natal que se aproxima e um ano se finda. Data propícia para aquelas manifestações amorosas e calorosas. Nesta época todo mundo quer ser melhor no próximo ano e, principalmente ser mais bem sucedido financeiramente. Acontece que, o mais comum de se ver por ai, são algumas pessoas se endividando com coisas supérfluas, gastando o dinheiro que não tem ou não poderiam, esbanjando horrores para ostentar um status que não é seu. Aí, ao contrário do que sonham – ter dinheiro – já começam o ano cheio de dívidas que não podem pagar e prejudicando o comerciante que contava com aquele dinheiro a receber para poder pagar suas contas. Penso eu que se queremos mudanças e alcançar algum sonho, devemos começar fazendo somente aquilo que nosso ordenado permite, mas infelizmente vivemos em uma sociedade (e uma cidade) gigantemente capitalista, aonde somos julgados por nossa condição social e financeira, sendo assim, o status é o mais importante, por isto algumas pessoas não estão nem ai – “Deixa ir pro SPC!”. Confesso que este comportamento fútil e desmoralizado é algo que me deixa bastante insatisfeita com o ser humano. Nada do que eu digo aqui é pessoal. Também vou à praia, compro coisas caras quando posso e presentes nesta época. O que coloco aqui é meu ponto de vista como comerciante, perante o que vejo e já vi acontecer durante anos. Penso eu que quem pode, tem mais é que aproveitar a vida mesmo! Mas devemos usufruir das coisas de acordo com nossas vontades e necessidades, e não querer levar uma vida que não se pode somente para ser engradecidos perante aos olhos da sociedade. Este é meu último texto deste ano aqui no blog e a mensagem que eu gostaria de deixar é a seguinte: Sempre há tempo pra mudar, colocar tudo em dia e ser alguém mais íntegro. Não adianta idealizarmos um futuro brilhante enganando o próximo. Só conseguiremos chegar a algum lugar com muito trabalho honesto, pois nada tem mais valor nesta vida que o nosso caráter e a integridade!


PS:  Feliz natal, cheio de paz e harmonia para todos e um 2013 repleto de realizações.
 Até o próximo ano! Bjus, Pathy Grah.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Sobrevivente do Fim do Mundo (Tiago Nascimento)

Dormira até mais tarde no dia 21. A se confirmar as previsões seria o último dia de existência do mundo. Por que não esticar a derradeira manhã de vida?
Mas o mundo não acabou. Ele ficou feliz. A despeito dos temores da véspera, ao amigo que encontrou logo cedo no dia 22 confessou: nunca levei muito a sério essa possibilidade.
Alegre, planejava comemorar a sobrevivência na balada no sábado à noite. Mas não chegou lá. Cem metros antes o carro derrapou, saiu da pista, atropelou um poste e dois pedestres.
Os pedestres passam bem. Ele e o poste nem tanto.
Uma bela maneira de se começar um mundo novo...

acidente

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

COMUNICADO

Hoje excepcionalmente devido ao fim do mundo, não haverá expediente neste blog.

Fim-do-Mundo

Enquanto aguardamos a volta à normalidade: aumente o som!





Dualidade (Vana Comissoli)

dualidade


Maria e Estela, irmãs gêmeas idênticas. Nomes tão díspares. Os pais, ao terem gêmeos, tendem a dar nomes semelhantes, não que isso seja bom, é até mesmo ruim, amalgamam os filhos e eles se enroscam num só tronco, quando muito com quatro pernas, mas a tragédia permanente de duas cabeças está sempre presente. Inexorável.


Conosco não foi assim,desde o começo as diferenças foram estabelecidas. Meus pais teriam pressentido o inevitável e escolheram nomes díspares? Maria e Estela...


Nasci primeiro, pelo menos era o palpite de minha mãe, estava com o cordão umbilical de Estela enrolado no pescoço e os médicos nem olharam direito a minha cara, embora isso não fosse fazer a menor diferença, correram a salvar minha irmã. Quem ficou cianótica fui eu. Ela prontamente berrou para que o mundo viesse saudá-la, no que ele obedeceu. As visitas que vinham para as duas, logo desistiram de mim,era o mesmo rostinho, mas eu chorava sem parar e não tinha graça nenhuma fazer bilu-bilu para um saco de berros. Muitos dias depois o pediatra se deu conta que leite tinha apenas para Estela, sempre a primeira que entregavam à minha mãe para amamentar. A enfermeira jurou por tudo que era santo que intercalava, podia se enganar, tão parecidas as meninas!


Podem não acreditar, mas eu podia ver Estela piscando o olho e sorrindo matreira.


Crescer não foi problema, o organismo se encarregou de não fazer diferença conforme estava escrito no DNA. Brincávamos juntas, dormíamos juntas, vestíamos igual. Nos retratos nunca sabiam quem era eu e quem era ela. Estela gostava de brincar de imitação,eu não gostava nem um pouco. Não gostava de nada que ela gostava: arrancar as pernas das formigas, chutar o gato que eu amava. Comer fruta verde e passar mal. Quem comia era eu, elas apenas cheirava e revirava os olhos antecipando na minha boca o sabor mais delicioso do mundo.


Naquele dia, Estela parou à minha frente fazendo tudo que eu fazia, normalmente eu acabava chorando e ela rindo, desta vez entrei em pânico, achei que era um espelho. Não era minha irmã que estava ali, fazendo os meus gestos, era eu frente ao espelho e não gostava do olhar penetrante, um brilho verde no fundo que não conhecia. Era eu e não era eu. Estapeei o espelho até ficar com o rosto vermelho, as mãos doloridas e os pulsos sangrando. Os meus berros trouxeram nossa mãe espavorida enquanto Estela ria com um filete vermelho escorrendo da testa e entrando olho a dentro dando-lhe um ar diabólico que me fez gritar mais alto.


Tinha medo dela. Às vezes me assombrava uma estranha sensação de que éramos gêmeas xifópagas onde tínhamos o mesmo corpo sem individualidade, mas cabeças opostas. Minha irmã era sinistra, assim eu a percebia, e seu corpo idêntico me alucinava, como se houvesse algo daquele mal dentro de mim. Éramos inimigas com vínculos severos e atordoantes, que me confundiam.  A reconhecia como se tivesse vivido com ela outras vidas estranhas e escuras. Lembrava seu rosto adulto, diferente do meu, mas com o mesmo olhar verde limo, queria renegá-la e não conseguia.


Um espinho todos os dias era remexido na ferida cada vez que ouvia mamãe nos chamando: Maria! Estela! Estrela matutina, luz do dia, esse deveria ter sido meu nome, mas foi Maria, a enxotada na cozinha, a mais banal das banais. A que os cabelos não brilhavam ao sol, a de pele fosca e sempre ranhenta num resfriado sem fim.


Iguais e tão diferentes! Uma linda, brilhante, sedutora, manhosa, matreira. A outra calada,olhos de desvio, silêncio em movimento, organizada, disciplina férrea. A ordem e a disciplina me preveniam de não escorregar no escuro túnel onde eu trombaria com ela que iria para dentro de mim, rindo de minha falta de jeito. Eu seria consumida.


Um karma infeliz que divertia minha irmã e me prostrava em cima da cama à busca de entendimento. A ideia de união indissolúvel era cada vez mais forte, apesar de tudo sabia que sem ela não poderia viver. Não havia ligações físicas a se efetuar por diversos órgãos inviabilizando a sobrevivência de ambas, mas havia esta ligação de estalos e gemidos. A gota d’água pingando sem parar. Plim... Plim... Plim... Tapava os ouvidos e a gota continuava no balde de minha cabeça rompendo lentamente o que restava de elo com o mundo.


Eu via os liames se enroscando entre nossas camas nas noites de pesadelo e não conseguia me afastar, tinha medo que a estrangulassem e ela morta, eu também estaria. Não podia permitir melhor a fixação patológica que me mantinha viva. Eu a odiava. Queria ser boa, ter os conhecidos sentimentos gentis e ela... ela me amava tortamente me infernizando com seu riso de princesa. Zombando enquanto todos a ouviam cantar embevecidos. Eu não cantava uma nota sequer no tom certo e não decorava letra de música alguma além de “Atirei o pau no gato”. Logo esta que me doía só de imaginar meu gatinho amparando a lambada. Lambada dada por Estela.


Quando decidiu perto dos 14 anos que pintaria o cabelo, senti que parte de mim sumiria.


- De maneira nenhuma! Somos gêmeas, temos que ser iguais.


- Não, não temos. Só somos gêmeas, não pensamos igual, não sentimos igual. E não pintarás igual a mim, não quero que sejas eu.


Dizia isso com a lâmina apoiada nos pulsos, os olhos fixos nos meus a me castigar. Não sabia o que fazer. Apelei para minha mãe que achou uma grande bobagem, que cada uma fizesse o que quisesse. Éramos apenas gêmeas.


Na escola, ela tinha amigas e eu não desgrudava dela, também queria que as meninas conversassem comigo. Eu era quieta, nunca tinha a piada certa, a perspicácia de perceber as situações: - Ah... é? É? Como assim? – terminava por aqui a minha presença de espírito e Estela ria, fazia chacota de minha timidez paralisante.


Nos pesadelos que sacudiam minhas noites, eu era Estela e Estela... Não existia.


Não sei como ninguém enxergava sua perversidade apesar de fazer tudo às escondidas. Já adolescente, tirava dinheiro da carteira de meu pai e comprava cigarros que fumava no fundo das esquinas, depois, sem que eu visse, guardava as bitucas no meio de minha roupa íntima, onde mamãe acabou achando e eu levei uma surra e castigo de dois dias.


Muito antes de eu pensar em namoradinhos, ela tinha fãs que deixavam de comer merenda para lhe comprar um sorvete. Eu não queria saber de meninos, tinha certeza que se gostasse de algum, ela daria um jeito de pegar para si e sei que ele não hesitaria em fazer a troca. Não queria ser mais infeliz do que era.


Lentamente, fui mudando, o desejo de ser boa foi virando gelo derretido e me esfriando por dentro. Comecei a ter consciência que a odiava de fato e que, enquanto vivesse ao seu lado, eu não passaria de uma sombra.


Na escola, nossas letras absolutamente iguais, eram um problema, ela assinava meu nome nas provas e eu não tinha como provar a usurpação. Ela tirava 10, jurava que a troca tinha sido feita por mim. Sempre duas provas com o mesmo nome e ninguém podia ver nada de estranho nisso?


Aguentei até os 18 anos, a idade da independência, ou quase... Na hora de escolhermos a profissão, naturalmente queríamos a mesma coisa. Pela primeira vez fui esperta e deixei que Estela falasse primeiro, era a forma de conhecer seu segredo bem guardado: o que desejava da vida? Cruzei os dedos sem muita fé para que não fosse o mesmo que eu. Ela respondeu segura: Medicina. Quero ajudar as pessoas e não temo o sangue, nem o sofrimento, trazem sempre a cura. Ou a morte, grunhi.


Foi um dilema, a mesma faculdade? Todos os dias vê-la brilhando enquanto eu me desvanecia cada vez mais? A sensação era de dissolver-me enquanto Estela se tornava cada vez mais brilhante e suas brincadeiras mais ferinas, seu olhar punha maresia nos meus cabelos e nos dos outros como a refrigerar as ideias, menos as minhas. Eu fervia.


Não abri mão de meu sonho, queria dissecar as pessoas, descobrir onde se escondiam as almas e por que se enovelavam deste jeito atroz. A busca era mais forte do que eu. Haveria de suportar a presença de minha irmã apesar da gastrite que tinha quando passávamos muitas horas juntas e da urticária infeliz que me cobria o corpo caso minha mãe, inadvertidamente trocasse nossas roupas que continuavam iguais. Por que nos vestíamos igual se a mudança era tão simples? Eu não consegui mudar. Sofri e fiquei doente nas poucas tentativas que fiz, a depressão me vencia. Caixas e caixas de remédios tarja preta e fotos sobre a cama de nós duas iguais com expressões tão antagônicas. O claro e o escuro? A sombra e a luz? O bom e o mal? Não creio nesta dicotomia ridícula e infantil. Apenas diferenças que amarguram.


Logo em seguida, dois anos apenas... Por exaustão? Desistência? Incapacidade? Escolha? Desígnio? Sofremos um terrível acidente de carro.


Hoje estou deitada neste caixão e o cheiro das flores que morrem me incomoda. Estela não repousa no dela, senta-se tricotando calmamente uma esquisita roupa de bebê com duas pernas e quatro braços.


Outra vez? Quantas vezes ainda?


Consegui me levantar e saí. Na minha lápide recém colocada, meu nome em dourado, imagina só! Dourado!


Com saudades, nossa única e amada filha


Maria Estela Gomes Carneiro.


Seus amoráveis pais.


Vana Comissoli

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Há três dias do fim do mundo (Fernando Bastos)

Se você não esteve em Marte nesse último ano, já deve saber sobre a onda de pânico que se assolou mundo afora por conta da famosa previsão Maia do fim do mundo marcada para meia-noite do dia 21 de dezembro de 2012. Daqui há três dias.
Uma pesquisa realizada pela Ipsos Global Public Affairs, com sede em Nova York, mostra que cerca de 10% da população mundial acredita na previsão Maia sobre o fim do mundo para esse ano.
A NASA, preocupada com o pânico das pessoas – que ligam, mandam e-mail e cartas perguntando se é verdade que o mundo vai acabar dia 21 -, divulgou um vídeo explicando porque o mundo não vai acabar nessa data. Todos os argumentos dos que acreditam nas previsões maias são derrubados com elegância pelas explicações cientificas (http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI299017-17770,00CIENTISTA+DA+NASA+EXPLICA+POR+QUE+O+MUNDO+NAO+VAI+ACABAR+EM.html).
Há casos de pais que disseram estar decididos a cometer suicídio junto com os filhos, para poupá-los de ver o fim do mundo. Segundo a pesquisa, os mais crentes de que o mundo vai de fato acabar, estão os jovens abaixo dos 35 anos, as crianças e as pessoas com menor grau de instrução.
É impossível saber quantas previsões de fim do mundo já foram feitas desde que o ser humano olhou para o céu e começou a questionar a existência. Mas há registros em quase todas as culturas antigas que já tentavam predizer quando tudo iria acabar. Como tais previsões sempre falham, logo tratam de inventar uma nota data. O ser humano gosta de ver o circo pegar fogo. No último dia do ano 999, igrejas ficaram lotadas na Europa, e houve grande número de suicídios, ricos doando seus bens aos pobres, genros fazendo as pazes com as sogras, etc.
Isso se repetiu recentemente, no último dia de dezembro de 1999. Com menos pânico, pois o ser humano evoluiu bastante e já não é tão crédulo como há mil anos.
Mas uma previsão que eu faço você pode acreditar: assim que amanhecer o dia 22 de dezembro desse ano e o mundo ainda estiver de pé, alguns profetas já estarão esfolando os cotovelos pensando em uma nova data para o próximo fim do mundo.

sábado, 15 de dezembro de 2012

E o trem passou... (Sônia Pillon)

soniapillon@gmail.com

Piuí, piuí, piuí... Tô chegando, tô chegando, tô chegando! Tô levando grãos de milho, soja e óleo... Tô lotado, tô lotado, tô lotado! Sai da frente, sai da frente, sai da frente! Tô deslizando pelos trilhos, rumo a São Francisco do Sul! Piuí, piuí, piuí...

O trem da ALL vem que vem contente! Chega carregado, imponente, com todos os seus vagões. Como em um desfile de escola de samba, com sua comissão de frente, o apito anuncia sua chegada, lembrando aquela famosa marchinha carnavalesca de Chiquinha Gonzaga... Como é mesmo o nome? Ah, “Ô Abre Alas!”...

Do lado de lá e de cá dos trilhos, pessoas e veículos ficam literalmente estacionados com a sua vinda. A cidade para ante sua passagem!...

Mas hoje o trem tem um motivo a mais para se alegrar e estufar o peito de orgulho! Como se não bastassem as memórias de mais de um século, do tempo em que a antiga estação passou a impulsionar o crescimento da cidade, hoje ele será recebido com festa!

É que o trem ficou sabendo que, em sua homenagem, um evento cultural estava em andamento, reunindo poetas e amantes da literatura. Nos trilhos por onde ele passaria, poemas eram recitados com grande emoção, e os sentimentos brotavam do fundo da alma...

Piuí, piuí, piuí... Tô chegando, tô chegando, tô chegando! Tô levando grãos de milho, soja e óleo... Tô lotado, Tô lotado, Tô lotado! Sai da frente, sai da frente, sai da frente! Tô deslizando pelos trilhos, rumo a São Francisco do Sul! Piuí, piuí, piuí...

A hora de entrar na cidade estava cada vez mais próxima. Agora, já dá para avistar um pequeno grupo ruidoso, que estava abanando, sorrindo, pronto para recepcionar o trem e seu séquito de vagões. E quando ele chegou, chegou bem perto... Ah, foi um delírio geral!... Palmas e gritos de alegria à sua chegada! Todos queriam registrar em fotos e vídeo aquele momento histórico e inesquecível...

Piuí, piuí, piuí... Tô chegando, tô chegando, tô chegando! Tô levando grãos de milho, soja e óleo... Tô lotado, tô lotado, tô lotado! Sai da frente, sai da frente, sai da frente! Deslizando pelos trilhos, rumo a São Francisco do Sul! Piuí, piuí, piuí...

E finalmente ele passou! Majestoso, garboso, apitando e fazendo vento à sua volta. Os Saraus de Poesias nos Trilhos do Trem de Jaraguá do Sul, com certeza vão ficar para sempre na memória de seus participantes...

Sônia Pillon é jornalista e escritora, de Porto Alegre (RS) e desde 1996 radicada em Jaraguá do Sul (SC).

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Poema Pelo Mundo (Adriana Niétzkar)



Chove,


mas é verão.


Escuta Raul!


Eu sempre gostei da chuva...


mas tinha medo!




O céu muda de cor


e continua sendo o mesmo céu


ainda que de ponta cabeça.




A alma não altera com o corpo;


As pessoas não mudam.


Há pessoas que perdem o medo


de ser-ver.




Quanto mais terras se pisa


mais se descobre a si


não importam os hábitos das mãos


ou as cores nos olhos.


Importa o que faz com sua alma


e a do próximo


e nos próximos.




Sedas não saciam sedes


ou a falta de luz.


Que importa o calor no escuro?!


Com a luz, há sombras.


Mas elas acolhem em dias de sol.




Há sim


meus olhos tem mudado de cor....

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O samba engana (Ítalo Puccini)

samba


Com o perdão da rima bastante pobre no título, leitor, escreverei esta croniqueta discorrendo (que verbo horrível) sobre a contradição que o samba apresenta aos ouvintes da “boa” música – e aqui o adjetivo boa está entre aspas porque me parece sempre necessária uma reflexão acerca das dualidades bom/mau, mal/bem, entre outras, algo que não farei nestas breves linhas, é claro.


Conforme canta o Seu Jorge, “o samba taí, o samba tá, tá no sangue daquele que sabe sambar” – e até dos que não sabem, ainda bem. Porque não curte samba só quem samba. Há quem seja apenas um bamba, um alguém que apenas arrisca uma trocada de pernas e uma gingada, quase sempre errando, e nem por isso menos contente.


Mas quem é que se atreve a dizer do que é feito o samba? Os Los Hermanos é que não (e aqui não há nenhum desmerecimento ao conjunto carioca de nome argentino, e sim apenas uma observação: eles não são peritos em samba). Mas compuseram uma beleza de música, com esta indagação acima. E acrescentando que se samba por gostar de alguém. E que um bom samba não tem lugar. E não tem mesmo. Vale fundo de quintal, vale sacada de prédio, vale calçada e vale a romantizada botecagem no bar.
(Só não vale confundir samba com pagode. Assunto pr’uma outra croniqueta).


Caetano é de cantar que o samba ainda vai nascer, que o samba ainda não chegou, que o samba é pai do prazer e filho da dor, e que desde que o samba é samba é assim: a tristeza é senhora. E é aí que eu retomo o título: o samba engana. Engana porque, ao apresentar um ritmo envolventemente-gostoso, faz o sujeito que é bom da cabeça cair em uma alegria contraditória à letra que está sendo cantada; faz vibrar de alegria o corpo que saracoteia ao som de trem das onze, e que não percebe que não se pode mais ficar um minuto com a pessoa amada, pois, perdendo o trem que dali às onze horas sairá, só amanhã de manhã.


As mulheres são cantadas em todos os sentidos no samba. Mais do que isso: são cantadas as dores que provocam nos sambistas e compositores – e nos homens em geral. Essas moças tão diferentes, não é mesmo, Chico? Fica fácil embalar-se no ritmo dessa canção, sem atentar-se para a dor da moça que, diferente, está me passando pra trás.Por mais que no fundo ainda me queira bem, ela guarda desdém, a safada. Igual a tantas outras.


O samba é aquilo que nos leva a andar com a cabeça já pelas tabelas. Porque um samba leva a uma lembrança – ou a uma cerveja –, que leva a outra, que leva a uma roda de pernas a bambar, que leva a um samba e batem-se panelas e palmas e. E de repente as mãos são erguidas, a voz vai alta e o coração não dá o alerta de que se está cantando “Tu te lembras da partida / Acenaste um pano branco / Mãos ao ar, fala contida / Choro preso em acalanto”.


Tá legal, eu aceito o argumento de que há também o samba de letra entusiasmada, afinal, como é bom viver e não ter a vergonha de ser feliz, não é mesmo? Assim como faz bem aquele sambinha lento, pra dançar mais abraçado, aquele samba que vem pra curar o abandono, ou até mesmo para torná-lo mais grave. São nossos sambas da benção, lembrando-nos de que a tristeza pode até não ter fim – apesar do ritmo contagiante – e de que, apesar de ser preciso um bocado de tristeza pra fazer um samba com beleza, é melhor ser alegre que ser triste, sim.


E não nos esqueçamos de que não se deve deixar o samba morrer. Não se deve deixar o samba acabar. Por mais que ele doa e engane.


Ítalo

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Carência (Marcelo Lamas)

Transferido para a cidade do interior, Arthur precisou saber quem era o síndico para
resolver um problema de falta de água quente no apartamento. Ao descobrir que era uma
mulher, imaginou viúva, aposentada que passara seus dias pegando no pé do porteiro e
da zeladora. Quando a porta do 504 abriu, ele deu de cara com uma japa mestiça com
admiráveis nuances e percebeu que Adriana era casada, pois, viu uma enorme fotografia de
casal na parede.


Embora no trabalho as coisas estivessem indo bem, ele sentia falta de socializar-
se noutros ambientes. Foi quando cruzou com Adriana na garagem, acompanhada do seu
marido, vestido de branco. Médico ou dentista? – pensou. À noite, decidiu procurá-la no
face, pois ela certamente teria amigas, também interessantes, para lhe apresentar.


Ela o adicionou e passaram a conversar todas as noites. Acostumada a ser
cortejada pelos homens, inconscientemente, o desinteresse dele a atraia. Também não era
do feitio dele envolver-se com mulheres comprometidas. Embora fosse bonita, inteligente e
bem resolvida, sutilmente ela dava sinais de baixa auto-estima, mal-amada talvez.


Ela sugeriu que saíssem para conhecerem-se melhor. Ele perguntou como ficaria a
situação do marido. Adriana disse que já havia pensado num plano. O encontro seria numa
cidade vizinha. No dia marcado, a pedido dela, tiveram que abortar o plano, pois chovia
muito e uma viagem não seria conveniente. Ele achou que tudo seria cancelado. Adriana
remarcou para um restaurante dali mesmo e apareceu com uma amiga, fazendo o papel de
pretendente dele. Depois de uma conversa boa, saquês e afins, decidiram ir embora. No
estacionamento ela sussurrou para ele deixar a porta do apartamento aberta.


Daquele dia em diante, ela passou a desviar dele. Só dirigiu-lhe a palavra para dizer
que seu casamento tinha melhorado muito e que não queria problemas.


Seduzido, ele a procurou inúmeras vezes, mas não teve êxito. Vai ser difícil
esquecer a lingerie preta e de tudo o que aconteceu naquela noite.


Nota do autor: esta história é uma homenagem deste escriba ao centenário de
Nelson Rodrigues, o escritor que afirmava ver o mundo pelo buraco da fechadura: “Não vou para o inferno. Mas não tenho asas”. 


Marcelo Lamas
marcelolamas@globo.com