Transferido para a cidade do interior, Arthur precisou saber quem era o síndico para
resolver um problema de falta de água quente no apartamento. Ao descobrir que era uma
mulher, imaginou viúva, aposentada que passara seus dias pegando no pé do porteiro e
da zeladora. Quando a porta do 504 abriu, ele deu de cara com uma japa mestiça com
admiráveis nuances e percebeu que Adriana era casada, pois, viu uma enorme fotografia de
casal na parede.
Embora no trabalho as coisas estivessem indo bem, ele sentia falta de socializar-
se noutros ambientes. Foi quando cruzou com Adriana na garagem, acompanhada do seu
marido, vestido de branco. Médico ou dentista? – pensou. À noite, decidiu procurá-la no
face, pois ela certamente teria amigas, também interessantes, para lhe apresentar.
Ela o adicionou e passaram a conversar todas as noites. Acostumada a ser
cortejada pelos homens, inconscientemente, o desinteresse dele a atraia. Também não era
do feitio dele envolver-se com mulheres comprometidas. Embora fosse bonita, inteligente e
bem resolvida, sutilmente ela dava sinais de baixa auto-estima, mal-amada talvez.
Ela sugeriu que saíssem para conhecerem-se melhor. Ele perguntou como ficaria a
situação do marido. Adriana disse que já havia pensado num plano. O encontro seria numa
cidade vizinha. No dia marcado, a pedido dela, tiveram que abortar o plano, pois chovia
muito e uma viagem não seria conveniente. Ele achou que tudo seria cancelado. Adriana
remarcou para um restaurante dali mesmo e apareceu com uma amiga, fazendo o papel de
pretendente dele. Depois de uma conversa boa, saquês e afins, decidiram ir embora. No
estacionamento ela sussurrou para ele deixar a porta do apartamento aberta.
Daquele dia em diante, ela passou a desviar dele. Só dirigiu-lhe a palavra para dizer
que seu casamento tinha melhorado muito e que não queria problemas.
Seduzido, ele a procurou inúmeras vezes, mas não teve êxito. Vai ser difícil
esquecer a lingerie preta e de tudo o que aconteceu naquela noite.
Nota do autor: esta história é uma homenagem deste escriba ao centenário de
Nelson Rodrigues, o escritor que afirmava ver o mundo pelo buraco da fechadura: “Não vou para o inferno. Mas não tenho asas”.
Marcelo Lamas
marcelolamas@globo.com
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