sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Retrovisão (Vana Comissoli)

O jornal abria-se como um escudo à frente de Almira, sempre que almoçava nos restaurantes em torno de sua casa usava essa tática para que ninguém a perturbasse.Atravessasse a fronteira estreita entre ela e o mundo. Não era preciso muito para evitar a intromissão, bastava o olhar carregado, a boca fechada dizendo “não” ininterrupto.
Virou a página pronta para nem relancear as manchetes, era dia do artigo de David Coimbra e não gostava dele e de nada que escrevesse. Na verdade era a mais genuína implicância, nem sabia o que o sujeito realmente escrevia, ou sequer pensava, mas uma amiga muito da atirada gostava dele então... Estava fora do seu círculo de admiração. Um dia o ouvira no rádio e comprara o livro comentado, gostou tanto que escreveu uma nota para o jornal. Teve um dia de ataque crônico de boa vontade, era sua justificativa toda vez que cometia a heresia de se agradar de algo que não fosse eleito única e exclusivamente por ela. Ou talvez de se agradar de algo tão somente.
- As pessoas têm a péssima mania de achar que sabem mais do que nós o que é bom para nós. Nesse engodo eu não caio, sei muito bem o que quero e sou feliz assim. - Afirmava para quem quisesse ouvir, embora a plateia fosse reduzida. O círculo de amigos era reduzido: os distantes colegas de trabalho; companheiros da igreja com que abria o peito e cantava embevecida Hosanas a Jesus, os companheiros de grupo de autoajuda. Estes últimos eram um segredo guardado a sete chaves, juramentados a se desconhecerem caso o maldito acaso os pusesse frente a frente mesmo na mais ingênua ou sisuda situação.
Quando entrou para o grupo resolveu que fazer benemerência era uma ótima pedida para se sentir em paz com a humanidade, depois, aos poucos, foi fisgada e chegou a pensar em ir mascarada, inclusive mimetizando a vez. Para sua surpresa e alívio o grupo votara favoravelmente para o Desconhecimento extra grupo e isso resolveu os problemas todos. Pontualmente comparecia, com chuva torrencial ou preguiça desmesurada, saia como quem sai do banho e evitava qualquer explicação, brincava no play ground, um pouco de lazer era necessário à saúde. A palavra mental aliada à saúde não fazia parte de seu dicionário pessoal, era inerente, é óbvio, não carecia investigações, veja-se como vivia tranquila consigo mesma sem intervenções incômodas e sem propósito. Serviriam apenas para interromper sua sessão de DVD contínuo de seus finais de semana. Gabava-se de ser uma excelente garimpadora de bons filmes e o espelho concordava sorrindo.
Voltou a atenção ao jornal, não era de seu feitio divagar assim, esse Coimbra não devia prestar mesmo, não era a primeira vez que lhe provocava desconcentração. O título a fisgou por que ainda ontem lera uma reportagem na VEJA que o tema acabava se assemelhando. A revista especulava a vida depois da morte, assunto que a fascinava nem sabia muito bem a razão. Às vezes pensava que sua vida era uma merda seca tão grande que a possibilidade ter outra era um conforto estimulante, ou uma esperança. Não gostava dessa palavra e menos ainda do sentimento. Esperar... Esperar e nunca nada, para sempre... Isso era a tal esperança dos trouxas.
A questão se tornou bastante incômoda e a cadeira ficou dura e desconfortável. Teria alguma coisa espetante no assento que não percebera? Almira disfarçou daqui e dali, deixou cair o guardanapo de papel que normalmente ignoraria, embora seus guardanapos jamais tivessem vida própria para se jogarem dessa forma deseducada ao chão.Empurrou-o para uma distância adequada com o pé. Era obrigada a levantar-se para recolhê-lo. Decididamente era uma malabarista por que a mão foi em direção ao descuido e o olho ficou para trás analisando a cadeira. Nada, estava limpinha. Ao sentar-se passou a mão na saia de cima a baixo. Nada.
“Os Cinco Maiores Arrependimentos à Beira da Morte é o título do livro escrito por uma enfermeira australiana que trata pacientes em estado terminal.” Mas que assuntinho indigesto, pensou Almira enquanto esquecia o escudo e apoiava o jornal diretamente sobre a mesa bem diante de seu prato onde a comida esfriava serenamente.
No hábito olhou o relógio tamanho cebolão, como se assim pudesse se fazer ainda mais presente na vida dela, ou na dos outros. Não se atrasava nunca e, se acontecesse de se atrasarem com ela os olhos,franzidos em estreitas frestas, grudariam nos mostradores que em vez de ponteiros tinham duros dedos ossudos. Estava em cima da hora. Olhou para os lados em busca de nem sabia o que até se dar conta que ninguém neste Brasil trabalha numa terça feira de carnaval e ela odiava a TV nesta época. Um despropósito aquela insinuação sexual toda embaixo de narizes que se torciam para isso. Chegava a sentir o cheiro dos corpos suados e pegajosos e o nojo lhe dava quase vertigem. Imaginava aqueles loucos todos se roçando antes e depois da avenida e o embrulho no estômago aumentava consideravelmente.
“A pergunta feita (escrevia mal este tal de David, repetindo verbos sem necessidade, o jeito era ler traduzindo para seu português seco e acadêmico) pela enfermeira aos pacientes foi: o que eles queriam ter feito na vida e não fizeram?”
Travou os dentes, era quase insuportável o jeito coloquial displicente deste cara. Ousadia imaginar que poderia escrever como se estivesse em sua sala escarrapachado no sofá. Tal pessoa devia ser muito deselegante e usar a sala dos outros como sua. Gente que se dizia à vontade e natural e eram mesmo mal educados e insolentes.
“Cinco itens que mais apareceram pela ordem:
1. Ter vivido a vida que eu desejava, não a que os outros esperavam de mim.
2. Não ter trabalhado tanto.
3. Ter tido mais coragem de expressar meus sentimentos.
4. Ter estado mais perto dos meus amigos.
5. Ter me feito mais feliz.”
Mas que respostas ridículas! Jamais teriam sido as dela. Mais viagens, mais dinheiro, mais demonstração de erro dos outros. As pessoas são superficiais e irresponsáveis, vão fazendo as coisas assim, no “ora, veja”. O que tem de mais o trabalho? É salutar e demonstra dignidade. Que droga de mal estar no estômago! Nem comi quase... O prato intocado, com um contorno de gordura amarelada e fria testemunhava.
O Coimbra se meteu a sabido, como sempre e analisou a análise da enfermeira que devia ter tido um trabalhão em analisar. Valha-me Deus! Foi desfiando uma sequência de situações onde as pessoas juram amor eterno bem na horinha que a Maluca Negra já estava com as garras na garganta delas. Talvez nem tão maluca.Este mundo está mesmo uma bagunça, poderia chama-la de Sábia Peneiradora, peneirava mal a donzela. Seria donzela? Enfim, também dizem que vaso ruim não quebra e por isso os bonzinhos se vão cedo e as pestes restolheiam por aqui mesmo.Se morre de qualquer jeito e nem valia pena examinar o acerto ou erro da peneira.
Mas o Coimbra não perdoa e as palavras continuaram indigestamente sendo escritas e agora estavam ali, gravadas num jornal que não se esfumaçava no ar e ao qual ela segurava com força sem perceberas articulações dos dedos estarem esbranquiçadas e uma dorzinha dura pegava na nuca como um colarinho muito apertado.
Até o famoso 11 de setembro ele desenterrou. Por que tinha que ser no meu aniversário? Nem os malditos anos podem sussurrar? Tem que gritar até os 50 serem atravessados a ferro e fogo com tudo desabando no meio de uma poeira que não há aspirador que sugue? Pois é, ele foi lembrando de quantos e quantos tinham usado o celular (agora todo mundo tem, até eu, mas felizmente não toca nunca, é mesmo para emergências) para dizer uma coisa besta que não tinham tido tempo de dizer: “eu te amo”.
No fundo, bem fundo da alma, o vômito ressuscitado vociferou e ela se levantou nem sabe como. Neste dia fatídico nunca sabia nada sobre nada do que fazia, parecia mais estar possuída e seria bem confortável que estivesse, mas não acreditava nesta coisa de espírito.A Veja que o confirmara cientificamente para não ficarem falando essas asneiras deslavadas.
E o cara não calava a digitação enchendo a coluna de coisas maciças e pesadas como bigornas quentes:
“Aqueles que buscaram a imortalidade gritando “eu te amo” ao morrer e os que se arrependeram de não ter dito mais “eu te amo” enquanto viviam compreenderam, no último instante, que qualquer coisa que se vá realizar durante a vida, só pode ser realizada com as outras pessoas. Seja por egoísmo vão, seja por amor abnegado, seja por prazer vulgar, seja pelo que for, as pessoas só se realizam com as outras pessoas. Pena que, muitas vezes, essa verdade só apareça quando é tarde demais.”
Ufa! Ponto final! E nem era um artigo tão grande assim. Olhou o relógio estilo cebolão que marcava pontualmente 18 horas.
O restaurante vazio e as mesas nuas de toalhas e pratos, garçons com caras desconhecidas, por que os do almoço conhecia todos, começando a se movimentar diligentemente enchendo novamente os galheteiros e o balcão das saladas já atulhado de travessas de folhas frescas e verdes dava uma sensação que o tempo não passou passando.
Não passou passando... Não passou passando...
Pagou a conta mecanicamente com o cartão de crédito cheio de créditos jamais gastos e recebeu o sorriso da caixa também desconhecida, não era a mocinha aguada que sorria todos os dias às 13horas. Ela também tinha passado. O que mais teria passado?
Não passou passando... Não passou passando... Tem alguma coisa errada com essa construção e não sei o que é, resmungou Almira enquanto saía louca para ser invisível. Peguei uma virose e devo estar com tanto frio embora o termômetro beire os 40° devido a uma febre terçã em início de carreira.
Não passou passando... Não passou passando...
O que tem de errado aqui?
O ruído de freios guinchando deu uma clareza insuspeita e enquanto adentrava no túnel estreito e claro com os parentes todos ali velando por ela, a lucidez deu um solavanco e gritou:
- Passou não passando!
Acidentes atraem olhares mesmo os acostumados, mas o descostume tomou a todos quando a ferida, ou já morta, ou quem sabe, gritou num só golpe:
- Eu te amooooo!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Livro (Marcio Erino Ochner)

Depois de um turbilhão de ar,
Somente me restaram algumas palavras,
Estavam tão desconcertadas, que nem amara alguma deixou...
Foi o vento, que carregou consigo algumas palavras dele...
O texto, totalmente desconcertado e interrogativo pairou no ar.


Sem perguntas, as palavras apontavam somente o desprendimento do texto.
Na grafia desconcertada pelo evento, havia sentimentos a serem preenchidos.
Dentre outros modos encontrei alguns pedaços de fita em minha mente,
Então resolvi colar, envolvi-os com se fossem tinta sobre o papel...
Devolvendo-lhes a vida que o vento havia levado.


Adormecido entre a pena e o papel,
Num sonho onde minhas visões eram palavras,
Preto e branco, mais que voavam em liberdade numa folha de papel,
Nelas, o colorido nos olhares, daqueles que se detinham ao absorvê-las.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O sexo evoluído (Marcelo Lamas)

No ano passado, assisti a um filme nacional com o roteiro composto de depoimentos reais interpretados por atores. Num deles, o ator diz: “Admiro as mulheres. Elassão mais evoluídas, decididas. Os homens são diferentes. São fechados. Têm que estar bêbados para dizer o que pensam. Alguns precisam procurar um analista para dizer ‘doutor, acho que sou meio gay, mas não tenho certeza’. Por isso há uma enormidade de revistas para mulheres, onde elas dizem tudo o que pensam e para quem quiser ouvir (ler)”.


Outro dia, numa turma de amigos, um sujeito referiu-se a uma modelo famosa, cujo outro não lembrava. Na tentativa de ajudá-lo, falei:


- É aquela que está na capa da revista Gloss.


Pegou mal. Na hora começou a gozação da galera:


- Ihhhh! O cara sabe quem tá na capa... De qual revista mesmo, hein?


Outro emendou:


- O cara deve saber o nome daquelas quinze “cor vermelha” de batom.


E ficaram me olhando com aquele olhar paterno atravessado, no qual ficou explícita a necessidade de uma explicação, sob pena de ser expulso da mesa. O mais exaltado era o Pinheiro, que não é sobrenome e sim alcunha, devido a sua semelhança com a árvore: “Quanto mais o tempo passa, mais grossa fica”.


Esclareci:


- Olha, eu vi a revista na gôndola do supermercado. Como eu sou colaborador da Blush, preciso saber do que as mulheres estão falando, no que elas pensam. O que agrada e o que as irrita.


Sempre gostei de ver as beldades que estampavam as revistas que a minha mãe comprava. Depois passei a ler as reportagens e a tentar entender – só tentar – aqueles pontos de vista. Naquela época, sem internet banda larga e com um militar na presidência as informações eram bem restritas para um pré-adolescente perguntativo como eu.


Vez por outra compro revistas femininas para a minha namorada, e dou uma olhada depois. Aliás, não sou muito seletivo com relação à leitura ocasional, qualquer jornalzinho promocional de loja me interessa, o lixo de papéis lá de casa tá sempre cheio. Ela vive me chamando de Bratz.


Mas quando vou à banca começo comprando as revistas masculinas e de futebol, depois dou uma olhada no resto.


E foi numa dessas que li a melhor frase de 2011:


Um homem não deve pedir desculpas por estar olhando para um decote, a não ser que seja uma parenta de primeiro grau”.


Não adianta, o instinto age sempre primeiro.


 


 


Marcelo Lamas, escritor. Autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”.
marcelolamas@globo.com

Terra de Ninguém (Inacio Carreira)

Antes da Terra tornar-se quase nada, após anúncios de hecatombes ecológicas e o choque de um cometa contra nosso planeta, quase colisão final, big bang às avessas, um Ninguém se abriga em uma caverna (cave, restos de habitações, abrigos improvisados) buscando reter na memória o pouco do que lembra ou o que – pelos exercícios compulsivos – não consegue esquecer.
Repete incansavelmente antigas fórmulas, junta pó – das estrelas? –, do pinga-pinga faz sua fonte de vida: a água continua imprescindível à permanência da espécie, Ninguém – intuitivamente – sabe disso, sente isso, sua lembrança, aliada da biologia, lembra-o que o precioso líquido é, foi e será sagrado.
Reconstrói suas memórias com o que arrebanha aqui e ali, do pouco que sobrou no que restou de terra... Faz nesta faina um bric-a-brac, um mercado de pulgas, uma enciclopédia do que existiu, em parte, em algum local desse planeta. Saudades no resplandecer das imagens em meio às letras que já esqueceu como interpretar. Mas as imagens... As imagens! São aterradoras, lindas, mágicas...
Enquanto está no afã de orar, amealhar, beber, reverenciar a Caixa – ah, essa caixa que esconde mistérios – Ninguém volta ao primitivo do ser... Ter, ter, ter... Medo que falte, como pode faltar a energia elétrica que aprendeu a produzir na mini-usina, como pode faltar água, que resgata gota a gota e utiliza num ritual transformador, pacificador, benfazejo...
Não vê a chegada de um ser lindamente disforme: duas pernas, quatro braços, duas cabeças... meio macho, meio fêmea... A porção fêmea desprende-se e adere ao piso, inerte, perdeu sua referência ao soltar-se do suporte vivo que a transportava. Já o macho, homem/felino, fruto de experiências genéticas dos últimos tempos... últimos dias? De onde tirou essa ideia? Agora percebe formas parecidas com a sua: Ninguém está maravilhado, unge Het tentando trazê-la da imobilidade, da passividade... Há quanto não via semelhante, parece real, tem articulações... É preciso restaurar suas funções vitais, buscar seus pontos de equilíbrio, energizar seus chacras...
He fuça por ali, vigiando sua preciosa carga, sua protetora, mentora, líder... A água lhe é negada, o que o torna irascível. Inquieto, o espaço é pequeno para tanta curiosidade, que recai sobre a Caixa, objeto de culto de Ninguém que, primitivo mas não ingênuo, passa a dar atenção redobrada ao relicário. Amarras, correntes, braços protegem noite e dia aquela que, parece, contém seu destino.
Com suas formas delicadas e supostamente frágeis, águas-vivas preenchem os espaços, disputando as águas – quase mortas – com outras formas de vida, eliminando-as. Atormentam os sonhos de Ninguém, que de todas as maneiras tenta livrar-se delas, expediente que se torna, para ele, como um decreto de morte.
A história é relembrada. Desde o princípio do fim – ou de um novo recomeço, Kali ancestral da transformação – Het, em sua aparente doçura e tranquilidade, entrega a He o instrumento de morte: o destino de Ninguém está selado. Vermelho, dor, sangue... Estertores ante o inevitável. Retomada a figura quase mitológica, a Caixa muda de dono e vai conhecer outras terras, outros ninguéns, energias. Sangue! Objetos são testemunhas de uma história de espera: na Terra de Ninguém o ser continua – como sempre o fez, desde o princípio dos tempos – aguardando a hora da morte. Amém.
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Dandara Mendes, Maykon Junkes e Tiago Novo, sob a direção de Fred Paiva, intrigaram públicos diversos na montagem – itinerante – do espetáculo Terra de Ninguém. Em 2012, caso o texto volte a ser montado, não perca.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O PECADO DE SARA (Fernando Bastos)

Em algum lugar da Palestina. Três séculos antes de Cristo. A lei mosaica imperava, e o Senhor abençoava quem a seguia, e amaldiçoava quem se desviasse dela.
Sara era a moça mais linda que Josias já vira. Usava um gracioso diadema na cabeça, caminhava como as filhas de Sião, olhando com o canto dos olhos, de pescoço erguido, balançando colares, brincos e argolas nos tornozelos, chamando a atenção para seus pés, dentro de sandálias feitas de couro. A túnica de linho que Sara usava ia até um pouco abaixo dos joelhos, de modo que as panturrilhas, bem torneadas e morenas, luziam ao brilho do sol, atiçando olhares desavergonhados dos homens da congregação israelita.
A hebreia tinha dezesseis anos, e já estava prometida em casamento a Josias, um honrado artesão que confeccionava lindas peças de bronze e metal para embelezar as mulheres de Israel. Ora, ninguém desconhecia a fama de vaidosa da mulher israelita. E, além de vaidosas, eram belíssimas. Josias aguardava ansioso a noite de núpcias. Sonhara várias vezes com a noite em que romperia sua gruta virginal e beberia seu mel. Quando pensava nisso, lembrava dos poemas sobre o amor, escritos séculos antes por Salomão, muitos dos quais, ele próprio já declamara para sua amada.
O casamento foi animado, embalado ao som de pandeiros, tamborins e flautas. Todos estavam felizes. Especialmente o noivo. Não, todos não; havia alguém muito preocupada, como se soubesse que uma grande torrente estava para chegar. Josias percebeu o olhar tenso da noiva e pensou, deve estar imaginando como será sua primeira noite, coitadinha, nunca conheceu homem.
À noite, quando se encontravam nus, sobre a cama forrada de palha, Josias foi paciente com sua pombinha que gemia baixinho e suava como uma camponesa numa tarde quente de sol. Ele estranhou. Entrou com muita facilidade naquele corpinho. Estocou várias vezes, no começo devagar, depois com rapidez, chegando a ser até um pouco agressivo.
- Tu não vais sentir dor? – gritou o noivo.
Ela enrubesceu.
Não havia marcas vermelhas no lençol.
Na manhã seguinte, ela foi levada às Autoridades. A denúncia foi confirmada. Só restava cumprir a lei de Javé, o deus hebreu. Sara foi levada até a frente da casa de seus pais. O primeiro a levantar o braço com a pedra na mão foi Josias, um pouco relutante, não conseguindo evitar uma lágrima que rolava pela face. Depois voou sobre ela uma saravaiada de pedras. Ela caiu e se encolheu como um feto. O sangue melou a terra. A moça ainda levantou um braço num último pedido de clemência, mas não adiantou.
O braço caiu ao lado do corpo.
Deu um último suspiro.
A lei de deus havia sido cumprida.


“...Se, porém, o fato for verídico e não se tiverem comprovado as marcas de virgindade da jovem, esta será conduzida ao limiar da casa paterna, e os habitantes de sua cidade a apedrejarão até que morra, porque cometeu uma infâmia em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai. Assim, tirarás o mal do meio de ti.” (Deuteronômio 22,20)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Estranhamento (Tiago Nascimento)

Eu conheço o chiado dos meus vinis
Eu conheço as orelhas dos meus livros
Eu conheço o quadro negro e meu giz
Eu conheço os sonhos dos meus amigos

Eu reconheço, sou mesmo meio louco
Eu reconheço, desconheço o amor
Eu reconheço quando o muito é pouco
E reconheço, não sei bem o que é dor.

Mas estranho o que me é tão banal
Quem é essa moça ao meu lado?
Seria a esposa revista antes do natal?

Essa vida ‘ta’ muito estranha meu senhor
Não foi assim que sonhei o meu hoje
Estranho, estrangeiro, passageiro, ex-amor.

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Desculpas

Queridos amigos leitores e colaboradores.

Por motivo de mudança não pude atualizar o blog. Peço desculpas aos amigos que enviaram os seus textos e eu não os publiquei. É que ainda não consegui me estruturar totalmente na cidade nova (Dionísio Cerqueira-SC), não tendo ainda nem telefone nem internet instalados. Assim mais uma vez peço desculpas e tão logo as coisas se normalizem eu entro em contato com os senhores e volto a atualizar as publicações.

Forte abraço do vosso amigo Prof. Tiago Nascimento.