sábado, 25 de maio de 2013
Tauromaquia (Inacio Carreira)
Tentamos dissimular, emular energias impossíveis
ou possíveis, sei lá, mas energias
e afloram, com floras, flores, florais de Bach
e música suave barrocamente invade o ar...
Plantar, semear, regar e esperar germinar. Paciência bovina. Ou taurina, embora esta imagem esteja mais aliada à impaciência. Com mais de 2.600 anos, a Lira de Tomb, suméria, de Ur, apresenta harpa decorada por uma cabeça de touro de madeira, coberto com ouro e barba em lápis-lazúli, que integra o acervo do Museu Britânico. Mais tarde, surge o mito do Minotauro na ilha de Creta, governada pelo rei Minos: cabeça e cauda de touro num corpo de homem, povoou o imaginário dos gregos, levando medo e terror. Habitava um labirinto e nasceu em função do desrespeito do marido de sua mãe ao deus dos mares, Poseidon. O rei Minos pediu ao deus que o deixasse tornar-se o rei de Creta. Poseidon aceita o pedido, porém pede em troca que, em sua homenagem, o rei sacrificasse um touro branco, lindo, que sairia do mar. Ao receber o animal, o rei ficou tão impressionado com sua beleza que resolveu sacrificar outro no lugar, esperando que o deus não percebesse. Muito bravo com a atitude do rei, Poseidon resolve castigar o mortal: Pasífae, esposa de Minos, se apaixona pelo touro, ficando grávida do animal, união da qual nasce o Minotauro. Desesperado e com muito medo, Minos solicitou a Dédalos que fizesse um labirinto gigante para prender a criatura: foi construído no subsolo do palácio de Minos, na cidade de Cnossos, em Creta. Após vencer e dominar, numa guerra, os atenienses, que haviam matado Androceu, seu filho, o rei de Creta ordenou que fossem enviados todo ano sete rapazes e sete moças de Atenas para serem devorados pelo Minotauro. Após o terceiro ano de sacrifícios, Teseu, herói grego, apresenta-se voluntariamente para matar o Minotauro. Ao chegar na ilha, Ariadne, filha de Minos, apaixona-se pelo herói e resolve ajudá-lo, entregando-lhe um novelo de lã para que pudesse marcar o caminho na entrada e não se perdesse no grandioso e perigoso labirinto. Tomando todo cuidado, Teseu escondeu-se entre as paredes do labirinto e atacou o monstro de surpresa. Usou uma espada mágica, que também havia recebido de Ariadne, colocando fim àquela terrível criatura. O herói ajudou a salvar outros atenienses que ainda estavam vivos no labirinto. Saíram do local seguindo a guia formada pelo novelo de lã. O mito do Minotauro foi um dos mais contados na época da Grécia Antiga. Passou de geração em geração, principalmente de forma oral. Era uma maneira de ensinar o que poderia acontecer àqueles que desrespeitassem ou tentassem enganar os deuses.
O argentino Julio Cortázar, em sua peça Os Reis, mostra-nos um Minotauro meigo, humano, que encanta e busca, nos jovens que chegam todo ano, somente carinho e companhia. Conquista-os, fazendo com que não queiram voltar à terra natal.
Por sua característica de força e poder, a figura do touro sempre foi reverenciada pelo ser humano. Mais recentemente, artistas como o espanhol Francisco de Goya, com sua Tauromaquia, série de 33 gravuras publicada em 1816, e Pablo Picasso, também espanhol, com no mínimo cem trabalhos – desenhos e gravuras, na maioria – dedicadas ao tema, motivo recorrente na obra picassiana desde a infância, na casa dos pais, em Málaga, até a década de 1960, tiveram importantes exposições pelo mundo.
Informação, informação... Que não fazia acabar seu pavor, medo, pânico pela simples lembrança de um touro. Um boi, que fosse. Trauma adquirido na pequena cidade do interior paulista, família morando perto do matadouro. Chegavam, semanalmente, boiadas para o abate, vinham a pé, passavam pelo meio da cidade, única rua ligando diretamente a estrada com o abatedouro. As mulheres recolhiam as crianças para as casas, pois a rua era o quintal onde brincavam, todas, numa época em que o trânsito era, na sua maior parte, feito a pé ou a cavalo. Charretes, carroças, carroções iam e vinham, modorrentamente, não perturbando a paz dos viventes. Mas, naquela tarde, inesperado, um grito de desespero rasga o silêncio da tarde: Estouro! Sua mãe, heroicamente, só teve tempo de jogá-lo contra a parede da casa e jogar-se sobre seu corpo. O corpo da mãe ficou irreconhecível, pisoteado e chifrado pela passagem do cortejo assustador, irado.
Sabe, ele, que prender-se ao passado traz nostalgia, não ajuda nada o viver. Mas, se a história ficou para trás, a lembrança está viva em sua mente. Precisa aprender ousadia e o prazer de experimentar, embora não goste de arriscar sua segurança. Ao atravessar ruas olha para os dois lados, fazendo-o também para cima e para baixo, num tic, ou TOC, nervoso, que ele não pode evitar. Ritual, cerimonial, medo... A Tauromaquia marcou sua vida. Marcará sua morte?
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Névoa (Vana Comissoli)
A névoa entrou sub-reptícia por baixo da porta. Foi confundida com a umidade que impregnava o “lá fora” como só os invernos distorcidos do sul conseguem ter. Primeiro ela varreu e varreu incansáveis vezes, não podia perceber que a névoa subia e já se enroscava nos pés das cadeiras que foram umedecendo inexoravelmente, contaminando o chão e os passos tortos que ela ainda tentava dar. Os saltos de dança como era seu costume foram se amontoando em cima da poltrona e do sofá com as pernas muito presas sob o corpo. Fingia não os ver, se os visse dizia que era uma posição de yoga transcendental que a levaria a alturas inimagináveis. Quem sabe muito próximo do Olho de Deus, estivesse escondido onde fosse.
Não deixou de ter razão. Foi levada à distâncias impensáveis. A diferença é que não foi para cima, foi para dentro, muito dentro de si mesma. Naqueles espaços longínquos e desconhecidos da alma ainda presa em alguma reminiscência do passado, ou seus neurônios que deixaram de dançar rumba e se puseram a bailar um melancólico e choroso lamento dentro de usa cabeça. Ainda se negava a ouvi-los deixando que os dias se amontoassem numa tentativa infrutífera e infeliz de fazer de conta que a vigem sideral que se aproximava era apenas uma piada de mau gosto se deslocando suavemente para fora quando o sol trouxesse um novo dia.
Nunca este amanhecer demorou tanto, se alongando em madrugadas alienadas cheias de seres tão íntimos e desconhecidos que habitavam a única companheira com quem se permitia partilhar o momento degradante: a televisão. Eles a viam dormir e acordar, debater-se sem fazer sequer um movimento enquanto o corpo de entorpecia de dolorosa fixação à cama.
Totalmente impossibilitada de viver e não querendo ainda aceitar que era uma sobrevivente como todos os outros, com a diferença que não estava mais fingindo “que fazeres” ou soluções drásticas como aguerrido prazer pelo dinheiro, ou sexo, ou drogas. Quem sabe alguma fantástica proposição benevolente de cuidar de outro ou outros seres humanos em nome de uma ética, talvez algum deus despido de misericórdia.
De vez em quando brigava um pouco com algum ser imaginário que chamava de Deus por ter feito a vida uma coisa tão miserável e transitória onde não se faz outra coisa além de perpetuar a espécie desesperadamente, mesmo que parte desta espécie fosse ela mesma.
Afinal conseguiu perceber a névoa tomando a altura de seus ombros e tudo que era possível fazer se limitava a navegar através dela, sem enxergar nada. O nada era a maior permanência junto com as vozes que vinham da tela colorida e sistematicamente ligada. Tomou a decisão que, se não era possível viver a sua própria vida, então que ao menos vivesse a dos personagens que quase sempre atravessavam todas as dores do mundo fosse como fosse para desembocar num final feliz ou ao menos satisfatório. Se o final trouxesse a morte, a fiel escudeira que nasce com todo mundo, também havia alguma solução desesperada de transcendência que permitia adivinhar uma continuação absolutamente incomprovável de vida que alimentava a permanente presença do desejo de não morrer.
Foi assim que viveu cem ou mais vidas se mimetizando em personagens fictícios que transformava em reais para respirar com eles e sentir alguma emoção que não fosse a dor na pele e o aperto no estômago que tornavam o “ir lá fora” uma tarefa hercúlea a qual não se submetia a menos que os cigarros tivessem acabado.
Foi tudo que a mente humana pode criar e transportar para a tela que chamam de cinema. Desde alienígenas fazendo contato expresso de terceiro grau, até viagens sonhadas à Marte ou outro planeta distante qualquer que passavam a impressão de que era mesmo onde estava vivendo no emendar dos dias sem sentido. Se prostituiu nas ruas de Las Vegas ou Los Angeles sem jamais ter estado em qualquer dessas cidades, caminhou atrás de amores bobocas pela rua da grande maçã e sofreu como filho de um pai perdido na destruição das torres gêmeas. Foi à África, à Europa e conheceu o mundo todo vivendo entre tribos primárias que sofriam a desgraça de pertencer ao terceiro mundo totalmente estigmatizada pelos pseudo grandes primeiro mundistas. Até participou do assassinato de Bin Laden e outros monstros terroristas. Esteve nos dois lados das inúmeras guerras que ainda zumbem nos ouvidos como alerta mudos para a humanidade fazer de conta que jamais repetirá a bobagem, repetindo-a todos os dias. Nas grandes ou pequenas distâncias, até mesmo ali na esquina onde o bandidinho de 14 anos mata por trinta reais que lhe possibilitarão algumas pedras onde mergulhará sua tragédia de ter nascido num mundo miserável, seja por falta de dinheiro ou de bom senso mesmo.
De vez em quando se lembrava de que precisava comer e já tinha emagrecido o suficiente para entrar nas velhas calças jeans e pedia um socorro sussurrado onde não deixava transparecer a extensão do dano que a névoa colocava em seus poros, músculos e, por mais admirável que fosse não conseguia adentrar a fortaleza de seus pensamentos. Pensar era única coisa que se permitia sem que a névoa interferisse, tudo o mais entregava sem reclamar e nem sequer gemer muito alto. Por pensar se deu conta que era melhor afinar o grito e buscar algum tipo de possível boia de salvação que a impedisse de se afogar com a névoa entrando pelos ouvidos, olhos e boca até a morte psíquica total.
Esse grito contido trouxe as pílulas brancas e azuis, tão bonitinhas e brilhantes no seu invólucro de silicone ou outra coisa que o suco gástrico destruía. Tomou esperançosa que tivessem a capacidade de empurrar a maldita névoa porta a fora e ela de novo pudesse respirar um ar seco e magnificamente cheio de sol, embora acreditando que o sol se escondera atrás do monte para sempre.
As pílulas desceram com uma batida de relógio e foram fazendo seu trabalhinho sujo. Não trouxeram sol algum, pelo contrário fecharam ainda mais as janelas do quarto e germinaram sonhos de suicídio. A sorte, ou azar, não identificava muito bem, é que não havia nenhum apoio para uma forca e as facas quando entram no corpo fazem muita sujeira e deixariam o apartamento estragado para outros inevitáveis moradores. Quem alugaria um lugar onde o chão apontaria uma definitiva mancha vermelho coagulado? Sem detalhar que facada é coisa que dói e pode errar o caminho nem sequer matar de verdade, apenas deixando uma feia cicatriz que lembraria para sempre a visita da névoa. Caso ela resolvesse ir embora.
Neste estágio resolveu que o melhor era cortar comunicações há muito indesejadas, elas apenas revigoravam a certeza de que estava vivendo num mundo paralelo onde vozes soam intrometidas e desconfiadas para todo o sempre. Só precisou suportar com os dentes cerrados, uma receita ditada pela irmã distante que não podia saber da visitante em sua casa. Nem sequer foi pelo celular o que a obrigou a sair da cama para atender o aparelhinho insistente que se não fosse atendido poria a porta abaixo.
De qualquer forma se lembrava de tomar banho e empurrar alguma comida para dentro, de preferência as que deslizassem sem necessidade de mastigação, um exercício muscular de primeira grandeza. Foi assim que se tornou a rainha da sopa e das massas congeladas.
Sete ou oito intermináveis dias se arrastaram até se dar conta que os desenhos suicidas apareciam pontualmente em algum tempo após a ingestão das lindas pílulas. A loucura lúcida é ainda mais frenética do que a alienada e tivera o bom senso de ler a bula inteira e se tornara conhecedora da possibilidade do remédio fazer efeito reverso e acentuar o estado que viera curar. Abriu a tampa da privada e viu as pílulas se afogarem mansamente sem nenhuma resistência. Não fez o gesto com muita coragem, havia sempre a possibilidade de engano e afinal a névoa voltar com intensidade redobrada.
Foi a primeira noite que o sono não veio imposto e estava preparada para atravessar as horas abraçada a algum personagem cinematográfico que se dispusesse a acompanha-la. Eles eram fraternos e nunca se negavam a fazer a caminhada noturna pontuada com algum passeio pela casa silenciosa onde a luz da rua dava a sensação de que não habitava sozinha aquele campo inóspito e seco. Era uma boa ilusão que alimentava sofregamente, apesar da não resistência, a névoa gelava os ossos e não era possível abraça-la pedindo que não se diluísse. Mas não foi assim. Nem sequer conseguiu acompanhar os primeiros passos do homem que se debatia com a árvore das cem palavras. Era um filme bonito que passava uma mensagem de transformação possível, mas não o soube o fim até três dias depois quando repetiu na sessão da tarde. Dormiu.
Acordar sem que a cabeça parecesse um balão esvaziado trouxe a convicção que quem está se afogando e no último momento consegue vir à tona ainda com os sentidos encharcados tem uma visão possível de ressureição. Respirou o ar da manhã como se estivesse pela primeira vez saindo de um útero sombrio e os pulmões agradeceram num riso de perfeito prazer.
A névoa olhava meio desconfiada pela porta entreaberta para onde era empurrada sem convite de voltar para o almoço. Recolheu seus esparsos resíduos que ainda atapetavam a sala e colocou-os em sua bolsa enorme e rota.
Era um dia muito úmido e a chuva volta e meia desfazia a sensação de que faltaria água no mundo um dia. Mesmo assim abriu as janelas, pegou a cachorra e saiu a passear molhando os cabelos até que grudassem na testa. A satisfação de sentir aquele cinza todo fora de si e não saído de seu secreto coração valia toda a chuva que ainda o céu pudesse guardar.
Algumas perguntas ficaram pendentes, mas a resposta mais importante estava muito bem escrita em cuidadosa letra: Não é para entender, é apenas para viver.
Vana Comissoli
sexta-feira, 17 de maio de 2013
Homossexualidade em cinco atos (Fernando Bastos)
Um
A cada dois dias, um homossexual é vítima de assassinato no Brasil. Nos últimos anos, 26% dos gays da União Europeia sofreram algum tipo de agressão. Em cerca de sete países islâmicos existe a pena de morte para homossexuais. Mais da metade da população brasileira acredita que a homossexualidade é contra a vontade de Deus.
Dois
Até meus vinte e poucos anos, igual a maioria, tinha profundo preconceito contra gays. Minha educação religiosa contribuiu para isso. Ler filosofia e bons autores ligados à psicologia mudou minha visão equivocada. Para saber por que os homossexuais são tão perseguidos, há de se voltar ao passado, como em tudo que se deseja conhecer com mais clareza.
Três
Em todas as culturas antigas, o amor homoafetivo foi praticado e tolerado. Com o advento do judaísmo – que influenciará sobremaneira o cristianismo e o islamismo -, a religião começará uma guerra poderosa contra os homossexuais.
Qual o motivo da Bíblia, através da lei de Moisés, pedir a morte de homossexuais? Para os sacerdotes judeus, Deus era contra o amor entre pessoas do mesmo sexo. O motivo verdadeiro é outro. Os antigos, sempre que desejavam coibir um comportamento, anunciavam ao povo que Deus era o autor da proibição. Os sacerdotes sabiam que se dissessem que eles mesmos criaram o decreto, não teriam êxito; passar a responsabilidade da lei para Deus, dava mais respeito e garantia de acatamento da ordem. Não estou inventando, todos os bons historiadores sabem disso.
Os sacerdotes tinham urgência em coibir a relação homossexual, sobretudo, por dois motivos: primeiro, não gera descendentes e a nação de Israel precisava crescer; mais gente, mais mão de obra no futuro e mais soldados para o exército. Segundo, por causa da falta de higiene, era alta a incidência de doenças sexuais e morte entre parceiros do mesmo sexo, que significava declínio da força operária e bélica. Lembre que doenças, para os antigos, era sinal de castigo divino.
Quatro
Século 21.
O pastor e deputado Marco Feliciano diz que não é homofóbico, e está sendo injustiçado, que foi mal interpretado. Reclama que todos falam em liberdade de expressão, e ele não pode dar opinião sobre o que pensa dos homossexuais. Na opinião dele, homossexuais são pecadores, devem ter a compreensão e compaixão cristã, mas devem procurar tratamento ou pararem de pecar. É essa a mensagem dele, que encontra apoio em grande parte da população do país.
Num primeiro momento ele está certo. Estamos num país que permite cada um omitir opinião sobre qualquer assunto. Todo mundo tem direito de dizer: sou contra sexo antes do casamento, divórcio, sexo anal, oral, grupal, mulher tomar anticoncepcional e o homem usar preservativo, bem como ser contra relações entre pessoas do mesmo sexo.
O problema começa quando um cidadão, movido pela sua fé religiosa, se intromete na vida sexual dos outros e quer obrigar todos a pensarem como ele. Feliciano tem todo direito de não querer a homossexualidade na vida dele e manifestar sua opinião. No entanto, não pode querer impedir que essas pessoas deixem de seguir seus corações, muito menos sugerir que gays sejam tratados por psicólogos para se tornarem heterossexuais.
O Conselho Federal de Psicologia proíbe tratamento para “cura” de homossexuais, já que não se cura quem não está doente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do quadro de doenças em 1993 e a partir de lá, é vista como uma orientação sexual, dentro de outras que existem (e não uma “opção”, como alguns falam). Ninguém diz um belo dia: optei ser gay, ou, optei ser hétero.
Nossa orientação sexual tem pouco a ver com o ambiente, apesar de que pode interferir em alguns casos; para a maioria dos cientistas, ela é inata, já nascemos com ela. Acreditar que um tratamento vai tornar um gay em hétero é a mesma coisa que acreditar que pode transformar um hétero em gay. Alguns religiosos dizem que há casos de ex-gays que foram tratados com sucesso. Trata-se, obviamente, de uma falácia.
A tragédia nesses casos é que o gay, acreditando estar em pecado (a família e, especialmente, os líderes religiosos, a convence que está pecando contra Deus), acaba reprimindo seus desejos, e para agradar e evitar tristeza da família, confirma que se tornou hétero. Essa postura de parecer o que não é, de não aceitação da própria sexualidade vai contribuir para lhe trazer mais angústia e sofrimento – como comprovam os estudos desses casos -, pois não estará sendo verdadeiro consigo mesmo.
Cinco
Um grande ato de humanismo de todos aqueles que são contra a homossexualidade seria de não interferir na vida sexual dos homoafetivos. Quantas vidas arruinadas, quantos assassinatos e suicídios, porque parte da sociedade condena o amor entre iguais. Não concordar é um direito, mas respeitá-los como querem ser respeitados, é um dever. Até porque dignidade não está na orientação sexual, mas em atitudes.
quarta-feira, 15 de maio de 2013
Os desafios de Kalu Rinpoche (Sônia Pillon)
Essa é a história de um iluminado tibetano, de uma das linhas milenares mais tradicionais do budismo, associadas a uma vida de contemplação, isolada do mundo real. Com apenas dois anos, foi apontado como a reencarnação de um venerável líder, o que determinou para ele uma vida de retiro, estudo e meditação. E com grandes responsabilidades nas costas.
Ele é uma figura pública que o povo do Tibete costuma reverenciar, e que muitos ocidentais tratam como uma celebridade, comparável a um astro de Hollywood! Situação que sempre o deixou constrangido e que ele nunca incentivou, pelo contrário...
Um dia, quando tinha 19 anos, decidiu deixar a vida aparentemente tranquila e protegida do monastério, onde se sentia triste e solitário, para conhecer a vida lá fora. Para ele, aquele era um espaço lúgubre, lugar onde tinha sofrido abuso sexual de alguns monges, aos 12 anos, e que por isso o fez desacreditar neles. Situação que é muito comum em outras religiões, por sinal...
Ao partir do templo, o jovem reverenciado como um iluminado - ou “bodhisattva da terra”, que nasceu para inspirar as pessoas no caminho do Bem - levava na bagagem todas as inquietações, a curiosidade e os desejos de qualquer outro de sua idade. Foi para a Tailândia, ávido por conhecer as tentações da vida mundana. E ele efetivamente conheceu...
Após seis meses, período em que se apaixonou pelo hip-hop e aprendeu a navegar pela internet e a interagir nas redes sociais, decidiu retomar sua missão e reassumir sua posição na hierarquia budista, para administrar 70 templos espalhados pelo planeta. Se ele é criticado pelos conservadores? Claro que sim! Mas tem plena consciência do seu papel social, agora mais do que nunca.
Transitando entre o mundo real e o espiritual, como um equilibrista em uma corda bamba, o líder espiritual, que hoje tem 22 anos, percorre os cinco continentes para levar a sua mensagem e dispensa idolatrias. Para ele, o mais importante é divulgar a filosofia de vida originada na Índia por Suddartha Gautama, o Sakyamuni, por volta do século V a.C., que prega a bondade, o comprometimento pessoal com a paz e os benefícios da meditação. “Aumentar a qualidade do entendimento”, resume o jovem Kalu Rimpoche, que é visto como um dos elos entre os primórdios e o contemporâneo, com todos os desafios enfrentados no século 21.
Sônia Pillon é jornalista e escritora, autora residente dos sites de literatura Letras et Cetera e Cooperativa de Letras.
segunda-feira, 13 de maio de 2013
Amor Eletrônico (Marcio E. Ochner)
não ouço mais o seu digitar
sua voz, em pensamentos cala-se ,
crio o seu ser em mim,
mais vivo que a própria vida...
vida, você,
eletrônicamente.
Pensamentos...
Memória que foge as pressas,
nem mesmo dispersa,
em mim,
você cintila e dorme...
e eu te observo pixeladamente...
Marcio E. Ochner
sábado, 4 de maio de 2013
Aventura dominical (Elianete Vieira)
Chega o dia tão esperado, um domingo, acordam com o canto do galo, se aprontam rapidamente e se deslocam de suas casas para a rodoviária onde se encontram.
- Bom dia amiga! É hoje! Está pronta?
- Nossa! Se estou! Morrendo de sono mas ansiosa pelo passeio. Vamos tomar um café para despertar, Chiquinha?
- Sim, claro, vamos, Maria. Ainda temos um tempo.
E lá se vão Maria e Chiquinha – quase – saltitantes pelos corredores ainda vazios da rodoviária até o bar onde saboreiam uma média e pão com manteiga aquecido na chapa.
Tão extasiadas estão e entretidas planejando o que fariam no destino, que se assustam quando ouvem seus nomes sendo chamados pelos autofalantes:
- Última chamada! – grita uma voz já irritada no início da manhã.
As duas amigas saem correndo, descem as escadas, chegam afobadas na plataforma de embarque, mostram as passagens e, rindo muito, sobem no ônibus prestes a partir.
- Ufa! Essa foi por pouco, não?
A viagem transcorre dentro da normalidade com duração de quatro horas de percurso e quatro paradas em quatro cidadezinhas no caminho. As duas tricotam um tanto e depois cochilam e refazem as energias para o dia que apenas começava.
Finalmente chegam ao destino. O dia ia alto, céu azul, pássaros cantando, passageiros se dispersam, elas olham em volta, fazem fotos para registrar o momento e vislumbram um local para almoçar um bom peixe frito típico do local.
- hummmm que delícia!!! – exclama Chiquinha.
Dali seguem para o evento que ocorria naquele fim de semana animando e colorindo a cidade.
Lá chegando comem tudo com os olhos, procurando memorizar cada detalhe, cada item exposto, observam as pessoas vindas de diferentes lugares atraídas pela mesma curiosidade que as havia atraído para aquele longínquo lugar, no único dia de semana de descanso do trabalho.
- Que maravilha, quanta novidade, se eu pudesse ficaria por uns dias aqui.
- Maria, que tal voltarmos noutro dia para conhecermos melhor a cidade?
- Uau! Que bela ideia, Chiquinha! Eu topo sim!
A tarde passa voando. Elas participam de um bate-papo muito animado e, quando se dão conta, faltam apenas 25 minutos para o ônibus partir. As amigas entreolham-se e buscam pela saída mais próxima sem nada falar de tanta afobação.
Chegam à rua, acostumadas com a cidade grande onde vivem, esperando encontrar um taxi disponível e à sua disposição bem em frente ao local, mas... onde estavam? Não havia dúvida alguma que ali não. Os minutos escoam pelos dedos acelerados pelo tique e taque dos relógios que anunciam a cada instante que o tempo se evapora.
- Meu Deus! Vamos perder o ônibus!
- Estamos tão perto que poderíamos ir a pé se tivemos mais tempo – comenta Chiquinha.
Fazem sinal para o ônibus circular mas o motorista lhes informa que passaria por outro bairro antes de voltar e passar pela rodoviária.
- Melhor irem à pé. – disse ele.
- Se tivéssemos tempos, iriamos mesmo. – pensa alto Maria.
Mas eis que o inesperado, o não planejado e nem de longe sonhado pelas amigas, acontece.
Um lindo príncipe em seu alazão branco vem em sua direção “pilotando” uma carruagem dourada enfeitada com flores e muito perfumada por elas.
- Amiga, vamos a cavalo! – alegra-se Maria.
- Boa tarde, senhoritas, querem fazer um passeio pela cidade? – convida o príncipe.
- Moço, queremos sim, agradecidas. Mas precisamos mesmo é pegar o ônibus em 15 minutos. – diz Maria.
- Uai, sô! Então eu as levarei para lá. Vamos subam! – Convidou o educado cavaleiro.
E assim, elas – quase – saltitantes, embarcam de volta aos lares, sonhando com o dia que retornarão àquela simpática cidadezinha onde príncipes salvam as princesas em perigo.