segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ao Mestre, com carinho (Vana Comissoli)

“Um conto é um corte na vida. O que houve antes, ou virá depois não importa. A vida seguirá, mas aquele segmento será a polarização imutável trazida pelo antes e deslizando para o depois. Estímulo e retorno. Apenas isso e isso é muito.
O conto é como a fotografia: um instante capturado. Um reflexo do ímpeto.
A novela, como a pintura: leva tempo para se terminar o quadro, mas sempre serão duas dimensões.
O romance, como a escultura: olhamos de todos os ângulos e temos a figura completa. A quarta dimensão, pois ao físico e palpável é acrescentada a alma.”
Eu bebia as palavras de Jorge Medina há muito, ou toda a vida. Eu caminhara pelo deserto da busca cega e quase já desesperançava quando o conheci. Até então, escrever era um passatempo, um alívio das tensões. A forma como as palavras se agitariam ou se descansariam no papel não tinha significado algum até encontrá-la.
“Para que este corte, esta foto, tenha significado é necessário um conflito, sem conflito não há conto. Podemos criar uma rosca de açúcar ou um espinheiro agudo. A densidade terá o tom que escolhermos. Um conflito denso agregará mais valores e mais emoção.”
Eu desenhava mulheres nuas em meu caderno de notas e via que os olhos de Jorge volta e meia espiavam. Percebia uma nesga de sorriso? Não sei, mas quando eu lia meus contos temáticos sim, ele ria. Baixava a cabeça. Fechava os olhos, era um auditivo, e ria. Às vezes abertamente e isso me deliciava.
Era inevitável desenhar furiosamente, eu era auditiva ativa, meus olhos precisavam estar distraídos, ou melhor, minhas irrequietas mãos, para que eu captasse aquela fala mansa carregada de preciosidades que transformariam minha vida.

“Maria entrou no quarto cheia de culpa. Eu também era culpado.
(O ruído rápido e quase ininterrupto do teclado era música aos ouvidos de Jorge Medina e as idéias quebravam as paredes do quarto, pondo-o em vôo livre.)
Nem por um momento deixei de ver meu irmão entrando na igreja, os olhos prendendo as lágrimas. Era o dia de desposar Maria e mostrar seu troféu até que a morte os separasse. Aceitei ser padrinho e lá estava com a gravata me enforcando, minha cabeça girando em cima dos ombros, prestes a cair. O perfume da noiva me alcançava como se ela ainda estivesse em meus braços. Maria, deliciosa, suave, rosada, agitada, urgente na chorosa e lamurienta despedida da véspera.
(Jorge bateu o cigarro e abanou a fumaça quase palpável. Ficaria bom, este conto ficaria bom, pensou, com o velho sentimento de dominar o mundo, as pessoas, através das palavras.)

Na primeira aula mandou que nos apresentássemos como se fôssemos nosso colega da frente. Algum tempo depois entendi que estava reconhecendo nosso feeling. Para compor um personagem precisamos aprender a captar as pessoas à nossa volta, isso não significa inventar o que nos der na cabeça. É preciso manter a coerência mesmo que incoerente do personagem, seu perfil, seus pensamentos íntimos que não serão descritos, mas percebidos através de seus atos.
Adequar a linguagem aos acontecimentos.
Ação? Escreva numa linguagem rápida, quase sem tempo do leitor respirar, mas não o sufoque.
Dor? Use palavras trágicas, que chorem nas letras. Observe o som das vogais, seu crescente (também falam, ou desmaiam no decrescente).
Saudade? Estique as palavras, deixe que elas relembrem os momentos que se foram.
Ler onde não está escrito. O segredo do conto: o subliminar, magistralmente atingido por Machado de Assis, na Missa do Galo. Perseguido quase sangrentamente por todos os outros, estrela de difícil encontro.

“Maria encontrara meu irmão Osório como uma luz, uma salvação, natural que se encantasse e visse nele possibilidades de amor. Acho mesmo que o amava sinceramente. Afinal, o amor é correspondência e preenchimento de necessidades, apesar de deliciarmo-nos enfeitando-o com a aura que sobrou do romantismo.
O que ela não contava era com a paixão, a louca, súbita e irreverente paixão. Como gostamos de nos apaixonar! Vemos apenas a paixão. Enganamo-nos dizendo que é um rosto, um olhar... Não é nada disso, é uma emoção sedutora tiquetaqueando dentro de nós, acelerando o sangue, tirando o sono, tornando-nos escravos de um tilintar de voz.
Maria respirava paixão e tentava se livrar dessa droga casando-se com Osório, por amor plácido e rotineiro. Nada de frenesi. Dia de primavera sem o calor cáustico e excitante do verão.
Não podemos impedir o céu de chover, a noite de chegar, a planta de florescer, mesmo que isso, momentaneamente faça o sol adormecer, o dia descansar, a planta fenecer. Maria descobriria em meus braços.
Eu voltara para o casamento de meu meio irmão tão diferente de mim: calmo, de passos certos, colocando tijolo a tijolo as paredes de sua vida. Eu fora agraciado com um mestrado em Lisboa e, mesmo sem deixar de lado a importância de meu objetivo, resolvi que era uma oportunidade imperdível para virar do avesso a velha Europa. Livre de pai, mãe, casa, meias lavadas...
Entrei fundo nas tascas portuguesas onde aprendi a gostar de cerveja importada, terminar de quebrar minhas grades e rir com sonoridade retumbante. Retumbante era o que guardava de minha terra deitada em leito que eu renegava.
Sentávamo-nos descabelados e aéreos nos bares de Lisboa a debochar da cidade florida. Jovens insustentos a falar do que imaginávamos saber. A mesada, sempre escassa, chegando de todos os cantos do mundo para que pudéssemos divagar nas nuvens de nossos baseados, encontrando profundidade nas vidas de nossos escritores favoritos.
Citávamos Pessoa como se ele estivesse a sustentar Mário de Sá Carneiro na mesa ao lado e sentíamos paixão pelos corpos que Miguel Esteves Cardoso possuiu.
Lá assim era e eu aprendera a ser inconsequente, estrangeiro tudo pode.
Tanta diferença entre eu e Osório devia-se ao fato de termos mães diferentes. A minha era uma jovem senhora de bem com a vida e, a dele, uma chata, presa no anteontem. Nessa escolha a minha ganhou meu pai, que se tornou um cara menos sisudo e mais disposto a tomar um pilequinho nos churrascos familiares. Quem saiu perdendo ou ganhando? Não tenho a menor ideia, o fato é que éramos diferentes, cada um ganhou e perdeu um pouco. Infelizmente, os dois ganharam Maria.”
– Não posso esquecer a verossimilhança amanhã, na aula, devo reforçar este aspecto importante dos personagens. Se os alunos listarem todas as características, começando pelas físicas e terminando nas psíquicas, entenderão melhor.
A economia de palavras. Quantas já apaguei! Economia, limpeza: chô quês sujos e repetitivos, chô pronomes desnecessários, chô linguagem poética numa prosa. A menos que se deseje falar de flor, passarinho e borboleta. Eu quero isso? Preciso ter certeza dessa resposta.

– As qualidades físicas devem retratar as psíquicas.
Anotei a informação e criei mil personagens diferentes a partir daí. Antes de dormir os nomeava, via seus movimentos nos sonhos e meus cadernos se encheram de desenhos com fisionomias feitas a facão, mas expressando sentimentos cortantes.
Estou louca ou Jorge Medina me olha mais do que aos outros?
– Vamos imaginar dois personagens. Nossos personagens. Paulo e Márcia. Listem ações que se desenrolarão para um e para outro. Listem os verbos determinantes dessas ações, as dele e as dela, vejam a convergência. Não permitam que idéias se atravessem, mantenham o foco!
Como gostaria de ser estenógrafa! Não perder nem a respiração entre as palavras. Se eu seguisse à risca seria uma boa escritora? Nem me atrevia a pensar em romance.
– O conto é o gênero mais complexo de todos, não há espaço para vacilo, minúcias, palavras que não sejam absolutamente necessárias.
Mudei de idéia sobre tudo.

“Não foi intencional. Ela saía do banho e eu entrava. Meio nua? Não vi nada, só os olhos flamejantes que me examinaram. Ainda não tínhamos nos encontrado, embora minha vinda estivesse anunciada. Estava nos preparativos da cerimônia quando joguei as malas no quarto de hóspedes, furioso. Tinham dado o meu, o meu, para aquelazinha que aportara de paraquedas na minha casa.
Dois pontos, luz azul, arco voltaico: Maria e eu.
Depois aquela coisa besta de apresentação, jantar incômodo das pernas se tocando por acidente e os olhos irrequietos e prometedores. Eu a despia junto com a pele dos tomates, a comia no filé à parmegiana e lambia na sobremesa de sorvete.
Foi simples e sem culpa. Uma noite, que mal faria? Depois... Impossível para sempre. Não era o recado que meu corpo passava durante a marcha nupcial féretra.”

No dia seguinte a aula foi sobre neologismos. A capacidade de criar palavras, a sagacidade de colocá-las no texto e a profunda coragem de fazê-lo.
“O mestre neste campo minado foi João Guimarães Rosa. Levou suas obras ao instigante mundo, onde recria a língua e faz com que os leitores tentem decifrar, a todo o momento, os seus “achados” semânticos, morfológicos, e, até mesmo, sintáticos ou morfossintáticos, como se a literatura não fosse apenas algo sério, mas também algo criativo, artístico e misterioso.
E a literatura não é mesmo algo sério, é brincadeira do intelecto, liberdade de sentir, recriar a vida numa performance que nos deixe de queixo caído.”
Féretra, neologismo surreal criado na madrugada anterior e precisando de justificativa. Mereceu a aula. Féretro seria tão mais fácil! Para Jorge o fácil era difícil, o difícil vinha fácil para “compor a úmida trama” amorosa que mantinha com as palavras.

“Entrei na cozinha cantarolando, sou da paz de manhã, gosto do sol, ele esteja no céu ou não. Sabia que a lua-de-mel tinha sido adiada pelas cinzas do vulcão chileno que teimava em colocar uma sensação de fim-de-mundo. Apocalipse day.
Teria que parecer como sempre e fazer de conta que não tivera ouvidos de cão para captar ruídos que desejava meus e de Maria. O desgraçado quarto de hóspedes era no sótão e eu não ouvia nada naquela casa antiga de paredes camufladoras dos segredos de alcova.
Fiquei mudo. Pavor.
Estavam os quatro na cozinha. Meus pais com as pistolas tremendo nas mãos, apontando-me. A de minha mãe, com belo cabo de madrepérola, teimando em mirar o chão. Meu pai segurando com as duas mãos para esconder o tremor e Osório direto nos meio de meus olhos. O tiro seria imbatível.
Maria chorava balançando o corpo, a cara marcada por hematomas se ergueu ao meu bom-dia fingido.”

Jorge escrevia tramas tempestuosas e paixões escaldantes. Era a densidade, dizia ele, enquanto eu o copiava e punha ainda mais ardência. Excitaria sua curiosidade ao ponto de ebulição que a minha estava? Seus livros eram ambrosia que me açucarava.
Paixão, aquela mesma que Orlando sentira por Maria. Eu não queria amor algum! Queria Jorge e suas palavras mágicas. Queria pulsar como os personagens. Eu: Ana Karenina, Lady Godiva, Madame Bovari. É querer muito? É só literatura, me convencia.
Jorge escrevendo, Jorge falando, Jorge lendo, Jorge beijando, Jorge me chamando, Jorge, Orlando... Orlando, Jorge...

A busca alucinada de Jorge para chegar ao seu personagem, à sua Maria.
“Maria, a Louca. Pela Graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhora da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Pela Graça de Deus, Rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhora da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Lembranças, frases cortadas, até rir-se dos estratagemas criativos e concluir:
Nada disso! Pela graça de uma trepada sensacional, a maluca resolveu não fazer amor com o marido na noite de núpcias e, ainda por cima, apontou com todas as letras o infrator.”

Os temas, as formas, a linguagem... Aula a aula compondo a trama do que viria a ser eu.
“Sobre o tapete, ou duro piso, a gente
compõe de corpo a corpo a úmida trama.”
Drummond saberia que isto também é amor? Que pode haver paixão entre o escritor e a escrita? Que posso ter mil Jorges, ser bígama, fiel, santa e puta?
Hoje, na frente do teclado onde as palavras aparentemente surgem sem uma nesga sequer de meu mestre, eu o relembro e devo a ele mais um livro editado e a entrevista que me espera para falar sobre o conto. O conto que foi o fruto deste amor incondicional.

Final aberto? Final fechado?
Qual se adéqua mais ao tema proposto?
Vamos deixar assim, ainda não parei de escrever...

Vana Comissoli

Aquiescera inseto (Marcio Ochner)

De longas antenas cetáceas
Com desprezado pensamento...
Um artrópode de asas sem poder voar,
De três pares de patas sem poder caminhar
Sem graça até no nome.

Matéria com base característica,
[Uma interjeição].
Numa dobradiça, fecha-se a uma âncora,
Lança ao mar.

De intelecto inferiorizado e pesado sentimento,
Foram ao fundo,
Sem emoção ou excitação,
Cessa a pratica,
Asfixia-se.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Instantâneos (Marcelo Lamas)

Ainda guardo em uma caixa a carta que minha avó enviou-me de Porto Alegre, na qual ela agradecia pela recepção e estadia quando veio me visitar, pela primeira vez, em Jaraguá do Sul. No escrito, em português da década de 20 do século passado, ela encerrava dizendo que estava prestes a ir ao oftalmologista, pois ela “vivia aos tombos” com sua visão.
Dentro do envelope havia um bilhete dobrado ao meio, que eu só vi depois de ler a carta. Ali naquele bilhete ela já informava o resultado da consulta, pois antes de colocar a carta nos Correios, ela foi ao médico e, em tempo, despachou o diagnóstico pela caixa coletora amarela, que ficava junto a um orelhão:

“Marcelo fui ao médico.
Graças a Deus não vou precisar operar o olho.
Só enxergar é que não vou mais.
Fiquei feliz, pois do outro olho eu ainda enxergo muito bem.
Beijo desta que muito te estima.
Doralice Lamas”

Agora, neste século XXI, mais precisamente na semana passada, uma amiga recebeu um convite de um pretendente para ir a uma festa. Como toda mulher, ela resolveu contar para uma outra, por e-mail:

“Oi Lu,
Vou sair com o Pedro amanhã.
Vamos lá naquela festa.
Eu odeio aquele lugar, mas fazer o que né?
Ele me convidou...vou lá fazer uma social com ele.
Pior, acho que ele só me convidou porque na quinta-feira a entrada é de graça kkkk
Bjus.”

Na hora de enviar o e-mail a guria enganou-se e mandou para o Pedro.
Ela ficou desesperada, tentou cancelar várias vezes, mas não conseguiu.
Educado, o rapaz respondeu sugerindo outro lugar.
O mundo está mais instantâneo do que antes.


M
Marcelo Lamas, autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”.
marcelolamas@globo.com

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Memórias de um professor aposentado (Fernando Bastos)

Certa vez, quando eu contava com meus cinquenta anos; lá se vão mais de duas décadas, e dava aula de Filosofia na Universidade F..., percebi que uma garota que sempre tivera participação ativa nas aulas, começara a faltar com frequência. Aqui vou chamá-la de Maria, para proteger sua identidade. Maria tinha 22 anos, e fui saber que estava depressiva e andava se entupindo de calmantes. A mãe a levara a um psiquiatra e ele prescreveu os devidos medicamentos. Naquele ano ela não voltou a estudar. Foi se tornando escrava dos remédios e não saía mais de casa. Nem banho tomava. Fiquei sabendo de tudo isso na festa de aniversário de uma amiga dela do curso que eu ministrava. Ela mesma me contou, quando me encontrou sozinho tomando meu uísque na varanda da casa. Era a primeira vez em um ano e meio que ela saía de casa. Estava irreconhecível, bem mais magra, uma palidez de papel na pele e com um olhar de zumbi. No entanto, conservava ainda aquela beleza jovial de uma personagem de um quadro de Botticelli. Foi levada à força pelas primas a tal festa. Para meu espanto, ao me ver, ela abriu um sorriso e me cumprimentou:
- Oi professor, como vai?
- Oi, guria, respondi, Que bom te ver. E tu, como vais?
Em uma hora de conversa ela me falou da sua infância, da rígida educação de base católica em casa, das múltiplas recomendações a se manter afastada dos garotos, que “só pensam em transar com as meninas”, do exagerado cuidado de seus pais para que não namorasse antes de se formar na faculdade. Com uma sinceridade invejável, Maria me contou que entrou em depressão porque não podia namorar, queria fazer sexo e os pais a cerceavam vinte e quatro horas por dia. Com vinte e dois anos, ainda era virgem! Disse a ela que ser virgem naquela idade não era comum, mas também não era nenhum fim do mundo. Que ela não devia se preocupar com isso, mas sim, com sua saúde e bem estar. Não foi difícil notar que todo o problema dela, sua apatia pela vida era em função da perda de liberdade, sobretudo pelo direito em extravasar sua sexualidade reprimida. Convidei-a para uma noite de amor, e, juro a vocês, não me surpreendi quando ela aceitou. Saímos à francesa, e fomos direto ao meu apartamento. Naqueles tempos eu era um coroa desejável, estava com o corpinho em dia, pegava onda na Joaquina ao lado de campeões, de forma que não fiz feio. Quando tiramos a roupa, fiz apenas um pedido. O quê, ela perguntou. Não terá penetração, respondi. Por quê, disse ela, esperando que seria desvirginada naquela noite. O senhor não me achou atraente, estou tão feia assim? Não é isso, respondi. E, por favor, não me chames de senhor. Está bem, disse ela com um sorriso meigo, desculpa. Tu és bela, eu disse, e sinto-me envaidecido por tua confiança em mim. Porém, o que tem de menos importante hoje é tu perderes a virgindade. E a beijei. Não dei tempo para ela falar. Beijei-a com centenas de beijos, desde os lindos pés até a as pontas dos cabelos. Ela chegou ao orgasmo pelo menos quatro vezes. Minha língua estava afiada aquela noite, e meus dedos habilidosos. Exausta, ela me agradeceu, Obrigada professor, nunca imaginei que sexo fosse tão bom. E ainda sou virgem! Abracei-a e disse, Não tenhas pressa. Quando te sentires pronta, aí sim será o momento. Na segunda-feira ela voltou ao curso. “Milagrosamente”, no dia seguinte ao nosso encontro, ela largou de vez os antidepressivos.


Fernando Bastos, cartunista e escritor

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Eles chegaram! (Sônia Pillon)

O dia mal tinha amanhecido, mas o pequeno vilarejo já estava acordado. Na feira livre, os vendedores já gritavam as pechinchas do dia, desde o peixe fresco até as verduras, legumes e frutas mais viçosas. Donas de casa de lenço na cabeça e sacolas de pano examinavam atentamente a qualidade dos produtos, comentando as ofertas umas com as outras.


De repente, um grupo imenso de pessoas adentra o vilarejo, numa espécie de invasão silenciosa. Homens e mulheres, velhos, jovens e crianças de cabelos negros e lisos e tez amorenada caminhavam de cabeça baixa, andar arrastado, mas contínuo. Eram indígenas, expulsos de suas terras pelos posseiros, mineradores capazes de matar ou morrer por uma pepita de ouro!... O sofrimento está estampado em seus rostos, assim como a desesperança no olhar. Muitos não conseguem segurar as lágrimas...


À medida em que se aproximam, uma onda de medo toma conta da população. Eles estão sujos, com roupas rasgadas, e há muito feridos entre a multidão de retirantes... Muitos os olhavam com repulsa. Ao descerem na cidade, uns poucos separam moedas para alimentar as crianças famintas, mas não há muito que possam comprar, tampouco leite...


Em poucos minutos eles se espalham pelo vilarejo, pela feira, pelos poucos restaurantes e padarias. Muitos sentam nas calçadas e choram copiosamente e falam em uma língua desconhecida, elevando as mãos aos céus, como se não entendessem o porquê de tudo aquilo...


Alguns comerciantes abrem suas portas, mas outros os espantam como cães sarnentos, lançam pragas... As mães imploram por comida para seus filhos, mas a população local como que some por encanto, correndo para suas casas, apavoradas, puxando os filhos pelas mãos... “Eles chegaram! Depressa, fechem as janelas e portas! Bando de vagabundos!”, vocifera uma velha aldeã, insensível à tragédia.


A jovem Maria, que chegou à vila para comprar legumes e chás, sente um aperto no peito ao ver tanto sofrimento. Lágrimas escorrem sem que ela se dê conta. De repente, ela vê um menino de uns cerca de quatro anos no colo de uma mãe aflita e pergunta o que aconteceu. “Mataram o meu homem! Mataram o meu homem! Homem branco acabou com aldeia, queimou tudo, até criança viva! Um horror!!! Não temos mais casa, nem comida, nem nada! O que vai ser da gente?!”, pergunta a índia, num português quase ininteligível.


Maria estendeu as mãos em solidariedade, e os levou para o chalé simples onde morava com os avós. Uma sopa quente, um banho e umas roupas limpas é tudo o que eles precisam agora, pensou. Eles ficaram por lá uns 15 dias, e depois a índia se foi com o filho, com um sorriso de agradecimento. Maria nunca mais os viu... Já se passaram mais de 30 anos, mas a imagem daquele dia terrível nunca mais saiu da sua memória...

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Beijo (Tiago Nascimento)

Sozinho
parece tão grande o apartamento
me sinto abandonado pelo tempo
que teima em passar, sem parar.

Lembro
dos sonhos todos que sonhamos
coisas que juntos planejamos,
mas que ficaram para trás.

Agora
só a solidão me abre os braços
me acolhendo num abraço
do qual não consigo escapar.

Até sei
que a vida ainda continua,
mas sem a presença tua
falta vontade pra viver.

O beijo amargo do sisudo ceifeiro
me arrastará de corpo inteiro
até onde tu estás.

O contato frio desses lábios;
se existe um céu e um inferno
aonde pode me levar?

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Primavera (Márcio Erino Ochner)

Nas desbotantes folhas do ipê roxo...
dá-se a primavera...
...em seus secos galhos o companheiro inseparável...
...o cantarolante sabiá...
...que avisa o passear do tempo.


Tempo que grita ao vento... que de longe se vê...
...nele, uma estrada vazia...
...de insistente rumo ao oeste...
de pés enterrados na vermelhidão horizontal...
...pequenas formas coloridas que espargiam um cheiro agradável.


no trânsito, verdejantes moitas parecem ter mais vida,
insistentes, dividem espaço entre lenheiros desfolhados...
...disputando o sol... que nota-se mais pálido na primavera.