quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Sensibilidade (Marcelo Lamas)



 

Procurei meu médico de confiança para fazer uns exames de rotina e ele sugeriu um macete:

– Faça o check-up anual bem no mês do seu aniversário, assim ‘você se dá de presente’ os exames e também fica mais difícil de esquecê-los.

No meio da boa conversa, sim, eu achei um médico que conversa com o paciente, ele mediu minha pressão e disse: “Esse negócio de medir a pressão no consultório nem sempre dá certo. Às vezes o paciente fica nervoso, ansioso com o resultado e sempre aparece um valor mais alto do que deveria ser. Nós chamamos de síndrome do jaleco branco”. E continuou:

– É o mesmo efeito que acontece quando o carro tem um barulho. Chegando ao mecânico o barulho desaparece.

Depois, dando uma olhada na ficha médica, toda manuscrita a lápis, e prescrevendo alguns exames, ele concluiu:

– Na tua idade esses exames aqui são suficientes. Depois dos quarenta o corpo vai começar a mandar uns sinais da idade, mas a coisa pega mesmo é depois dos cinquenta. Aí tudo começa a ficar mais sensível, começa a doer aqui, doer ali.

Quando ele falou em sensibilidade, lembrei da minha falta de sintonia com os sapatos. Todo calçado me incomoda. Antes qualquer pisante servia, fazendo jus ao provérbio popular: “Pé de pobre não tem número”. Agora, até os tênis com amortecimento me causam desconforto.

Será que estou envelhecendo precocemente?

Passei a ficar mais preocupado com isso, quando recebi o telefonema de um colega da empresa:

– Marcelo, queres jogar um campeonato de futsal. Vamos participar da categoria de veteranos, topas?

Em contrapartida, enquanto participava do Festival Nacional do Conto, uma colega literata, que eu não via há algum tempo, me disse:

– Como estás jovem! Fizeste plástica?

Fiquei confuso, mas logo lembrei do que o professor tinha dito no início daquela tarde:

– Vocês são um bando de loucos. Com o final de semana assim, com esse sol lindo e céu azul – evento climático raríssimo em Jaraguá do Sul – vocês aqui encerrados num auditório, discutindo literatura?

E tudo voltou ao seu lugar na minha mente.

  



Marcelo Lamas, autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”.
marcelolamas@globo.com

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Profetas têm Cabelos Brancos (Vana Comissoli)


Anda por um mundo branco, nem sombra há. Sombras são escuras e escuro não há. Árvores brancas com seus brancos galhos não podem se silhuetar no ocaso branco.


Lembra vagamente de pessoas. Houve antes que esta nuvem sem embaço cobrisse o sol, o mal e quaisquer outras vidas, reais ou sonhadas.


É fácil e trágico caminhar sem passado neste branco que deveria ser luz e não é. Talvez seja um sumidouro, boca-de-lobo sugando a espuma de detergentes nitrogenados que deslizam plasticamente sobre as águas do Tietê. Pelo lado bom, encobre o que foi um dia água e agora é algo que não se sabe o que é. Sob essa massa gelatinosa e fétida está o vagido de um menino de rua que nunca pode deixar de ser neném, não deu tempo, antes apodreceram os ouvidos.


Começa a rir à bandeiras despregadas ou pregadas em mastros brancos tremulando paz lá no alto, inatingível. Ou no chão, uma vez despregadas e caídas. Paz um dia houve? Alguns, ou muitos, ou todos, homens com estandartes vermelhos, amarelos, azuis ou de as todas cores em um só, divisória armada até os dentes contra tudo, ou Deus, podia ser a favor, pelo menos uma melodramática mentira de pregar a decência, o perdão, alforria ou prisão. Qualquer coisa serviria para flamejar a beleza dos estandartes coloridos sob o céu para avisar por que lado se morria. São possibilidades quase ilimitadas, muitos Se e Ou...


Procura um herói solitário. Como? Apenas ele é. Resolve lavar o mundo encardido com sabão a fazer espuma que água nenhuma enxágua, fundo de panela grudado de gordura Mac Donald’s. Arranca a ponta dos dedos na tentativa até perceber que os seus não bastam, precisariam de todos que já tivessem vivido.


De dentro de um buraco com os olhos à superfície veria horizontes por todos os lados, assustadores 360º de nada. Um pensamento branco sussurrou que algo haveria depois de, ou antes. Estava cansado, caíra neste limbo branco num sonho, era assim que acontecera, tão logo despertasse se reconheceria colorido.


No tempo que o tempo era, as pálpebras descidas traziam algo em torno de claro e escuro, com flashs eventuais, até mesmo moscas luminosas passeavam trazendo notícias de brilhos. Talvez suas pálpebras tivessem caído na lata de leite condensado e não conseguissem se abrir, pesadas e inúteis, viera a noite sem lua e não havia possibilidade de outra coisa atravessar a firme e branca parede açucarada.


No antes do horizonte percebe movimentos em câmera lenta, ou seria apenas um teatro de sombras brancas? Parece que sim e guerras campesinas, campeiras, urbanas, corpo a corpo, teleguiadas, se mostravam esqueléticas formas. Nem o sangue jorrado aos borbotões era vermelho, já se esgotara o carmim dor.


Entre pausas de homens degolados caminha o profeta. Os longos cabelos brancos ao vento sem cor anuncia novos tempos de fraternidade. Quando terão cabelos ruivos, ou verdes, os profetas? Crêem tanto que cuidados esquecem e alguma discussão de alcova tórrida desenterra uma, e outra, e outra bela e sensual Helena por quem vale a pena lutar, morrer e matar.


As helenas deitam na terra se transformando em estados, países, regiões, campos acres servindo ao mesmo mortal objetivo. Dominadora na arte da manha, manhã sempre vinda, se retraem em notas de dinheiro, muito mais valoroso que o mero papel de que dizem não ser feito. Suas múltiplas formas retalham Osíris pelos campos alagadiços de nossos tantos Nilo. Em cada curva uma torneira de sangue e se luta por justa causa até que não sobre vontade de viver. Sobreviver.


Petróleo, ouro, diamantes, sede, fome, todos os sobrenomes posteriores a primeira: Helena de Tróia. Tánatos se justificando para realizar a volta da vida, segundo visionários, o fim total de qualquer modo. Momento onde o homem, tomando na mão a foice, antecipa o trabalho para se igualar a um possível e desconhecido criador.


Dói o cotovelo, aperta o sapato no pé. Há algo sob o chão instável. Chama: alguém aí? Nenhuma resposta. É sobre cadáveres que caminha. Um gigantesco Museu do Holocausto, do homem para o homem.


Nunca chora? Por medo? Assombro? Solidão?


Intui que não está sozinho, apenas os mundos não se tocam, não compartilham, nem se abraçam.  Nada, a distância é a salvação, começaram a dizer os cansados de guerra.


Está num deserto. É isso! Alucina. Cadê o Pequeno Príncipe e sua rosa? Cadê a raposa para responder que a jibóia tinha comido um elefante e chapéu é coisa para quem não sabe ver? Pelo menos uma vez a resposta certa. É essa a resposta? Esse branco sem fim? Armadilha.


O horizonte para trás não importa muito, logo tocará o da frente, haverá gente, vestígios de véus. Idade das Flores se avizinha, a Nova Era, é a hora e a vez de Aquário. Tantas linguagens!


O branco é transição, tudo será paz e amor, maconhavam fugas os hippies felizes enquanto enterravam a pior arma, o dinheiro, em caixões de chumbo. Imagine, orava John Lenon: “Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único. Eu tenho a esperança de que um dia você se juntará a nós e o mundo será como um só”. Adeus necessidade de crack, oxi, haxixe, armas, bombas, governos, pele, roupa, insanidade! Não precisamos mais de vocês. Uma única religião, a dos homens, um único chão, a Terra. Prisões virarão estábulos onde vacas de ubres de torneira despejarão leite para todas as cores da fome. As favelas se tornarão belos condomínios de jardins horizontais e verticais. A nova rotação do planeta o porá na curva do clima ameno em todos os hemisférios, os ursos polares simplesmente tirarão seu casaco e os pinguins boiarão de barriga para cima em Búzios enquanto engolem raios de sol.


A revolução fará com que muros e fechaduras se atirem das pontes numa água de PH 7.0, sorrindo para o futuro viveiro de peixes que serão. Muito melhor destino do que aprisionar homens em suas casamatas.


Ouvia-se esbanjando para o horizonte além a alegria do sonho afinal possível. Era só atravessar o portal 11:11 e se ouviria a sinfonia das estrelas anãs.


Surgiram os 2 primeiros homens do horizonte tão próximo, preparou-se para comemorar:


“Distância de 40 passos, no sinal atirem ao mesmo tempo.”


Helena, em macios lençóis de seda, ou de tantos, não sei quantos, fios de algodão egípcio se retorce de rir e leva o copo de uísque escocês aos lábios sempre sedentos.

O dragão de cera (Sônia Pillon)

Mar revolto. Barcos multicoloridos que balançam com as ondas. 



Dragão de cera na areia mágica dos ancentrais. O frio e a chuva não atingem a quentura do meu coração.

Mar que traz, mar que leva... Mar que enleva...

Sopro de saudade carregado pelo vento. Pisadas na areia que a onda dilui. Momento mágico gravado na memória que transcende o tempo e o espaço. Agradecimento profundo da alma.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Sou como a chuva que vem (Marcio Erino Ochner)

O vento sopra em direção

Ao intenso céu azul... escuro...

Distingue o verde das folhas balançantes,

Telhados sujos pelo barro leve,

Sobe num formato de cone,

Que segue notando outras folhas secas caídas ao chão,

Num giro... levanta voos extraordinários,

correm sem direção, lambendo o chão como vassoura...

limpa a sujeira do tempo,

pega carona num voo sem volta, e se vão...

Sabe-se lá pra onde, somente passam...

Seguem.

E o que resta, é sombra de um reflexo tardio,

De um sol que se foi...

embora outras vezes também...

Esconde-se ao longe da montanha minúscula.

Nuvens negras baixam com cara de trovão

Que brilham em gotas de água que cai, arrastando-se nas corredeiras,

Purificando a vida fétida.

De cursos passados, deixadas às moscas.

Chuva esta, que rasga o chão em sinuosas linhas, salpicam folhas,

Arrancam impurezas e levam ao respirar da natureza.

Como um sopro, mudam o ar rarefeito por um frio agitado,

De olhar aguçado, de alma perdida no gotejar chiante...

Chuva, que reviva cores, que lava pensamentos...

Mas que logo passa...

Nesta vida de terra idosa que, ainda suporta fenômenos,

de ordem determinada, mesmices...

Mudanças que aliviam, que revivem...

Afogando a poeira quente...

Refrescando ânimo, repetindo memórias...

de cheiro agradável.

Autor: Marcio Erino Ochner

sábado, 20 de agosto de 2011

O senhor Silva (Tiago Nascimento)

Céu azul. Nem parecia que um dilúvio havia despencado na noite anterior. O honorável senhor Silva saiu de casa com um guarda-chuva debaixo do braço “nunca se sabe”, dizia ele. Mas o dia estava lindo. Zero por cento de possibilidade de chuva.

Ainda em Ipanema o senhor Silva já despertava olhares curiosos. Divertidos e curiosos. Curiosos e sarcásticos. E quanto mais perto da orla chegava, mais freqüentes se tornavam os olhares. Um homenzinho estranho portando um imenso guarda-chuva. Imune aos olhares o senhor Silva continuava intrépido em sua matutina caminhada.

Mas ninguém aceita por muito tempo ser o ridículo. Por certo já arrependido de estar em semelhante situação, o senhor Silva começou a torcer os bigodes e a pensar num jeito de se livrar do incômodo artefato. Lixeiras enormes iam sendo deixadas pra trás, em qualquer uma delas seu guarda-chuva poderia descansarem paz. Maso senhor Silva era um homenzinho metódico. Não faria nada que o pudesse ainda mais ridicularizá-lo. O que pensariam os donos dos olhares divertidos ao vê-lo depositar o imenso e negro guarda-chuva no lixo? Não. Ele ia pensar em outra coisa.

Continuou a sua jornada. Já nem lembrava o que lhe havia tirado de casa, que destino teria ao pisar a rua. Apenas seguia a orla, ora devagar, ora apressado. Pensava em algo… Pensava em algo…

De súbito uma brusca guinada. Seus pés pisam a areia e o guarda-chuva negro voa de encontro ao mar. Ao primeiro que encontrou depois confidenciou “é uma mandinga que mãe-preta ensinou, talvez agora a tempestade não volte mais”.

Tiago Nascimento
Texto publicado em 29/04/2008 no extinto Globoonliners.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Águas Doces (Suzi Daiane)


Na época em que os rios eram límpidos e que passar a tarde pescando às margens dos pequenos córregos era a diversão de muitas famílias, os barcos eram feitos de papel e corriam desleixadamente pelas águas doces. Nesses barcos viviam piratas, que não desistiam mesmo diante das mais fortes tempestades, enfrentavam as correntezas até o secar da última gota de sangue em suas veias.


As tempestades sempre existiram, nunca se soube a origem verdadeira delas; se algum gigante as criara para reafirmar seu poder com os trovões, ou se o dono dos céus decidira as enviar para testar quão bravos os piratas poderiam ser. O certo é que os piratas em momento algum davam chance para a fraqueza ou medo, sabiam que suas vidas eram sustentadas por uma base frágil, como muitas vidas o são, e faziam por merecer os dias de liberdade com nuvens claras do céu.


Certa vez, quando atracavam nas águas quentes do rio, foram pegos de surpresa por entulhos, metais e pedaços de plásticos que sujavam as águas e carregavam os barcos para lugares perigosos. Muitos dos barcos foram arrastados para longe, os materiais presos a eles faziam com que afundassem depressa. A esperança parecia dissolver-se. A água veio a encher por completo diversos barcos, que afundaram, levando consigo fiéis piratas.


Restava somente um barco naquela tragédia, até que pedaços de alumínio cortaram sua parte inferior e a água fluíra por dentro do convés. Os piratas viam-se ameaçados. As águas entraram com pressa, trazendo um colorido desconhecido e um odor insuportável que os fazia desmaiar.


O capitão ainda dava ordens, parecia não perceber a gravidade, e só cessou os gritos quando finalmente o barco pareceu velejar de maneira amena. Os piratas abraçaram-se procurando estancar com o próprio corpo as entradas de água. Não houve o que se fizesse parar, o barco afundou logo após bater em uma enorme pedra escondida nas encostas.


Foram tempos difíceis aqueles, todos os barcos e sonhos foram destruídos, milhares de peixes foram encontrados sem vida na beira do rio e piratas desapareceram por todo o sempre.


Muitas famílias ficaram doentes, e, aos poucos, também se esvaíram das proximidades do rio, o líquido que vertia das nascentes se uniu às novas cores e, os poucos moradores que restaram, adaptaram-se à escassez da água límpida. Agora eram conhecedores do sabor de outro líquido, quase um óleo, que tinha qualquer outra aparência e consistência, mas que ainda era chamado de água.


Os piratas de água doce passaram a existir somente nas lembranças. Nas histórias contadas sobre eles, são sempre descritos com uma aparência estranha, muitos sem algumas partes do corpo. Talvez porque realmente as tenham perdido graças aos entulhos; talvez para que assim ninguém se esqueça da bravura de seus corações.




Suzi Daiane é atriz e professora.
Co-autora no livro “Preliminares” e autora do livro “Tonalidades”.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Na mochila (Marcelo Lamas)

Recém contratado para estágio, fui convidado por dois colegas de trabalho para uma pescaria.
Eu estava com a "síndrome do invisível", achava que ninguém me via trabalhando. Todo iniciante tem esse sentimento num novo emprego. Quando me chamaram, pensei: "Legal, os caras me convidaram"!
Na véspera, perguntei sobre o que levar para o passeio. Eu estava interessado – mesmo! – no cardápio, que era bem sugestivo.
Meu paladar rejeita quaisquer frutos do mar, inclusive camarão, o que surpreende muita gente.
Mas como eu não queria ser infiel à consideração do convite, não comentei nada. Arrumei a mochila e fui com os companheiros.
Eles sugeriram que eu tomasse um comprimido para evitar enjôo na navegação. Depois que ingeri, lembrei do alerta da minha mãe, que dizia para não aceitar nada de estranhos. Poderia ser algum entorpecente e eu mal conhecia os sujeitos direito.
O fato é que não senti nada no trajeto, até hoje não sei se foi a prevenção com o remédio ou firmeza do meu organismo.
Depois de meia hora de barco, chegamos ao lugar deserto. Eles levaram sal, grelha, carvão, espetos, cervejas e Coca-Cola.
Ah! Eu tive que ajudar a pagar o aluguel da embarcação, o que para um estagiário é um atentado financeiro, pois provoca greve de fome forçada no fim do mês.
Os parceiros eram bem profissionais, tinham roupa de neoprene, máscaras e equipamento sofisticado.
O dia foi passando e eles usando técnicas diferenciadas, as quais me explicavam detalhadamente. Acho que os peixes que circundavam a ilha conheciam os truques, pois já estávamos no final de tarde e nenhum aquático capturado.
Depois daquela pescaria, aqueles dois colegas de expediente viraram grandes amigos meus e também fiquei com fama de estrategista, pois ainda na ilha, a fome da dupla especializada e a minha acabou quando abri a mochila e tirei um cacho exagerado de bananas que eu tinha levado camufladamente enrolado numa toalha de banho, pois peixe eu não ia comer.
No final daquele mês, revezei jantares nas casas deles até receber meu auxílio sobrevivência, digo, salário de estagiário.
Ainda bem que em nenhuma noite teve pescado no cardápio.


Crônica publicada originalmente na Revista Banana D'Água – Edição 02



Marcelo Lamas
Engenheiro Eletricista, professor universitário, escreve artigos e crônicas para jornais, revistas, sites e livros há 13 anos.
marcelolamas@globo.com

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Deuses apaixonados (Fernando Bastos)

A atração dos deuses por mulheres mortais, geralmente comprometidas, muito jovens e virgens, faz parte da mitologia da maioria dos povos da Antiguidade.

Uma dessas divindades, cuja fama de galanteador se espalhou como areia no deserto é Zeus, o chefe do Olimpo.  Zeus dava trabalho à ciumenta Hera, que ficava horas acordada com um pau de macarrão na mão, esperando o maridão chegar das baladas. Certa vez, Zeus transformou-se num cisne e se uniu a Leda, mulher de Tíndaro. Em outra pulada de cerca, Zeus se disfarçou com feições do próprio marido de Alcmena, e, enquanto ele estava em campo de batalha, o deus adúltero divertia-se com a mulher do guerreiro. Conta-se que Anfitrião ficou lisonjeado por ter emprestado a esposa a um deus e nem se importava quando os amigos diziam: “Lá vai o corno!”. A partir dessa lenda, o termo anfitrião passou a significar “aquele que recebe em casa”.

Dionísio, amante de vinho e bacanais, ficou louco de amores por Ariadne, que também era comprometida. Marte se fantasiou de serpente e seduziu a virgem Reia Sílvia. A moça se encantou pela cobra, engravidou, e gerou os futuros fundadores de Roma: Rômulo e Remo. Na antiga Pérsia, Ahuramazda se apaixonou por uma donzela de alta linhagem, e a fecundou com um feixe de luz, recheado de espermatozoides.

A garota de quinze anos teve de explicar aos pais e vizinhança como engravidou sem ter conhecido homem, e sem ter feito inseminação artificial, já que no século sete a.C. ainda não conheciam a técnica. Contudo, como eram muito ingênuos, logo todos acreditariam na concepção milagrosa, algo não tão raro naqueles tempos. Hoje, podemos até achar graça, mas naquele período de obscurantismo, um deus se interessar por uma terráquea era a coisa mais natural do mundo.

Fernando Bastos, cartunista e escritor.