quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Futura Mente (Vana Comissoli)

- Apenas uma queda de pressão.
Sorri, afinal já tinha acontecido tantas vezes. De repente a cortina se fechava, as pernas bambeavam enquanto as glândulas sudoríferas bombeavam a todo suor.
Mas desta vez...

Uma floresta negra, A Floresta Negra! Quase na fronteira com a França. O cuco cucando relógio ao fundo, enquanto riscas de alemão corrigiam: Schwarzwald. Ok, que seja em sua língua mãe, tem direito, assim a floresta é mais negra.
As árvores, colunas góticas, furam o céu, onde céu nem se vê mais. As copas são grossas cortinas fechadas. Suas raízes existem em dois níveis que me tonteiam:
As que entram terra à dentro e posso acompanhar até perder o fôlego, sufocado pelo calor e os gazes vulcânicos. Aí fincam suas coifas famintas reproduzindo células e mais células até que eu não saiba mais de onde veio o quê. Não consigo entender como a fornalha da terra as alimenta em vez de matá-las inexoravelmente. Procuro a visão fervente e encontro o vazio.
As superficiais, dando aparente equilíbrio. Retorcidas, bulbosas, arroxeadas. Vez em quando explodindo hematomas-geiseres de sangue. É nessas que tropeço a cada passo. Caio, levanto e ando em círculos até criar uma trilha de alívio. O alívio vem do fato que pisoteio tanto o mesmo lugar que acabo me acostumando e não me assusto mais.
Nesta floresta é sempre noite. Explodem fogos fátuos violentando o escuro para alumiar buracos, troncos vencidos, tocas de susto. Restam luminescências que previnem meus tropeços. Há corujas também, de tempos em tempos ouço seus pios. Dizem que é sabedoria, em mim provocam arrepios.
O lugar é conhecido por ser de mau agouro, sombrio e misterioso. Muitas lendas e histórias macabras são creditadas a esta floresta. Vejo os fantasmas arrastando os lençóis em lúgubres uivos rosnados.
Ando por aqui procurando amoras para fazer uma torta que nem conheço, mas sinto o doce na boca. As silvestres são as melhores, tem o sabor de nossas mãos com um pouco de sangue onde espinhos vociferaram. É meu desafio, transformar o pavor escondido na floresta numa bela torta que comerei de garfo e faca e beberei, em homenagem a mim, um cálice de fino champanhe rosado.
Os caminhos se tornam mais intrincados. O chão é instável e pedregoso, não consigo ter certeza de onde e no que piso. Às vezes cheira à flores silvestres e outras, improváveis, criadas em finas estufas. Ainda outras, um odor nauseabundo de fossa servida, putrefação. Talvez haja um pântano nas proximidades.
Mistérios sonâmbulos que me parecem familiares apesar do medo que sinto em revelá-los.
Por momentos um resquício de raio solar corta o emaranhado das copas e penetra na escuridão. Por que não o sigo voltando para o agasalho de minha casa? A torta será tão importante assim? Se não tiver a receita ficará algo intragável. Não lembro se sei os ingredientes toso e muito menos o modo de fazer.
A coruja pia, seu soar se decifra em urgências de ficar, minha casa está desabando, de qualquer modo choverá em mim. Ficarei por aqui, de alguma forma esta floresta tenebrosa me seduz e me chama.
Eu não tinha sono, mas também não sabia há quanto tempo caminhava. Podia ser um dia, uma hora ou apenas um minuto. Talvez devesse descansar. Talvez devesse tentar qualquer coisa que me fizesse parar.
Procurei algum canto protegido para deitar-me. Foi quando ouvi o rugido. Estremeci. Dentro da floresta houve agitação de pássaros, corridas de animais menores, percebi que algo se aproximava e vinha com destino bem decidido: eu. É minha hora, pensei, servirei de pasto às feras.
Imediatamente meus sentidos reagiram, não queria saber de Tanatos na minha cola.
O monstro apavorante e armado de estranha espada apareceu entre as árvores e arrepiei. Lutaria por minha vida. Imediatamente prostrei-me. Não teria forças, ele era grande demais, cruel demais.
Quando estava sobre mim, a bocarra aberta, enxerguei seus olhos de horror e os reconheci. Eram meus olhos. Estarrecido e abandonando a defesa, examinei: o monstro era eu transformado, tinha muito menos anos, muito menos resistência, mas era eu. Como poderia comer a mim mesmo?
Ele atacou, me esquivei e lutamos por tempo infindável. A cada estocada que me atingia eu ficava mais fraco, recolocava a arma em sua mão para que voltasse a me ferir.. Meu corpo se reduzia a quase nada e eu pensava o mesmo que o monstro pensava: destruir... destruir...
Destruir? Só havia eu para ser destruído! Estava ordenando que destruísse a mim mesmo? A cabeça começou a rodar, a pressão caiu. Essa minha pressão... Cai quando mais preciso dela.
Brilharam vaga-lumes, fiquei sabendo que a noite chegara. Sua luz era um quase nada em meio à escuridão, mas me deram um alento. Faziam vôos incríveis sobre mim e pousavam em meu corpo. Tinham mensagens de seres mágicos, deduzi, ao pousarem no monstro ele se encolheu... Encolheu. Quando vi não passava de um menininho chorão que me despertou muita pena. Tão indefeso... A seu lado uma fantasia inflável de monstro esvaziava mostrando sua insignificância.
Respirei aliviado, tinha certeza que este monstro não mais me ameaçaria. Nem monstro era! Teria sido criado por mim? Isso não me pareceu importante. Estava acabado e resolvi continuar procurando as amoras. De dia ou de noite, aqui isso também não importava e estava decidido a fazer minha torta especial
Atravessei as árvores caminhando a esmo e vi ao longe uma luzinha. Então existia mesmo uma casa de bruxa na floresta? Não me deixaria enganar. Que fosse feita de confeitos! Bem sabia que a proprietária não era nada doce.
A senhora estava à porta quando me aproximei. O aroma de seus cabelos chegou a mim antes que pudesse ver seu nariz torto, tinha certeza que era torto, pontudo e com verruga. Na certa tirara o chapéu preto e cônico. Era um odor suave carregado de lembranças, tinha cheiro de bebê sendo amamentado. Isso me desconsertou, não estava preparado para este tipo de engodo. Aproximei-me.
Minha mãe sorriu para mim e me convidou a sentar:
- Deves estar cansado, meu filho, vem, estava te esperando.
Minha santa mãezinha morando neste lugar?
Em seguida enxerguei seu relho e corria atrás de mim me chamando de malandro, espirocado e outros nomes que pensei ter esquecido. Deixei que me alcançasse e me batesse até minhas costas não aguentarem mais e o sangue escorrer, pedaços de carne machucada se desprendiam.
- Mamãe, mamãe, eu preciso tanto de ti! Não me bata, me pega no colo!
Parecia que isto lhe dava mais raiva e brabeza, recrudesciam as chibatadas.
De novo Tanatos espiou. De novo reagi. Por que estaria sempre escondido atrás dos seres da floresta? Não haveria de me levar. Não ainda.
Voltei para minha mãe com os braços cobrindo a cabeça para que seu relho pegasse em lugares mais resistentes, menos mortais. Seus olhos estavam extremamente tristes e ela não tinha relho algum, tinha cansaço e uma meninice estampada na face. Abraçou-me.
Todo o frio saiu de mim e pude, pela primeira vez, receber seu afago verdadeiro que curou imediatamente minhas feridas. Beijou-me dizendo:
- Meu filho, agora estás pronto para seguir. A floresta é imensa e muitos outros animais te assolarão, sempre existe mais um, mas olha para trás, pelo caminho por onde chegaste aqui.
Para minha surpresa havia ainda floresta, tinha desejado que não. Era uma floresta muito diferente, as árvores também subiam ao céu, porém as estrelas brilhavam lá no alto e a lua clareava tudo. As sombras não desenhavam galhos retorcidos como garras, mas estradas abertas, seguras.
Podia parar aqui e voltar, não me perderia. Sem amoras?
De dentro da casa de minha mãe saiu circunvolusionando um delicado cheiro de torta de amoras. Fiquei feliz, com certeza minha mãe me daria a delícia e eu não precisaria mais andar na floresta que ainda me amedrontava. Pedi na certeza da aquiescência.
- Não filho, esta torta é minha. Entrei na floresta e colhi as amoras, se eu te der ficarei sem nada e tu terás nada para comer. A fatia que te cabe já comeste. Tens que buscar tuas próprias amoras e fazer a tua torta.
Ia me irritar, bater o pé fazer manha, deixar o coração ficar ferido. Era este o costume, depois carregaria para sempre a imagem da rejeição. Antes que eu começasse ela sorriu e fez um gesto que mostrava quão seria inútil e como só a mim perturbaria.
Despedi-me, ela beijou-me dizendo como sempre estivera à minha espera e como sempre estaria. Podia voltar quando quisesse, cada um comeria sua torta com prazer e repartiríamos pedaços. Explicou-me que só quando temos nossa própria receita é que podemos partilhar algo realmente doce.
Segui ainda olhando para trás por um bom tempo. O próximo monstro foi menor e o outro muito estranho, não me lembrava ninguém, mas era menor ainda. Caminhei penetrando cada vez mais à floresta e ela não era tão ameaçadora apesar de continuar não a conhecendo.
Cheguei numa nova clareira, havia muitas, lá pela terceira que encontrei tive certeza disso. Nesta havia uma frondosa amoreira e em galhos ao meu alcance se penduravam as mais belas amoras que já vi.
Era hora de voltar. Finquei uma bandeira colorida no chão, sabia que estaria ali novamente e deveria marcar onde começaria o desconhecido que era enorme, mas não me punha medo. Os monstros, o desconhecido, as bruxas, os duendes malvados, todos poderiam caber no meu bolso se assim eu decidisse e a cada um que diminuísse estaria apto para conhecer a floresta, pelo menos um bom pedaço, até que encontrasse Tanatos sorrindo e não rosnando para mim.

- É a pressão, caiu outra vez!
Esses médicos são tão bobos! Mas ela não cairia mais, sabia que entrar na floresta não precisava ser de joelhos.

Vana Comissoli

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sonho (Marcio Erino Ochner)

No descansar da noite,
Pensamento que me vigora a cabeça,
Tentativas ao acordar, sem sucesso...

Com olhar fixado à escuridão do campo de visão...
Foco na conjuntura superior,
Me levo a ao fruto da demência.

No estremo do corpo...
Dentro da alma,

Nela, uma força que me atingi, e me revigora...
Traz consigo um sabor iluminado.

domingo, 20 de novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Por que as pessoas se casam? (Fernando Bastos)


No Best seller A cama na varanda, Regina Lins informa: “Numa pesquisa feita pelo IBGE com pessoas casadas, cerca de 80% dos entrevistados se declararam decepcionados com o casamento. Daí podermos estimar um percentual ainda maior se considerarmos a dificuldade de se aceitar e declarar a falência de algo em que tantas expectativas foram depositadas. Por que, então, as pessoas continuam querendo casar?” Em seguida ela tenta uma resposta: “Assim como na nossa cultura acredita-se que só é possível estar bem vivendo uma relação amorosa, o casamento por amor passou a ser sinônimo de felicidade e, por conseguinte, uma meta a ser alcançada por todos.”


Além do desejo em ser feliz, casa-se a meu ver, por outros fatores:


1 - As mulheres, em especial, casam para ter filhos. Como bem disse Nietzsche, “Para a mulher, o homem é um meio: o objetivo é sempre o filho.” De fato, a mulher em geral, casa já de olho na prole que virá. Raras são as mulheres que casariam com um homem que não desejasse ter um filho. Experimente dizer a uma mulher que não deseja filho e ela o abandonará no caminho para o altar. A mulher, mais do que o homem, acredita que um filho vai dar significado a sua vida; é a garantia de que, quando ficar velha, alguém ainda vai amá-la. Ficaríamos espantados se fizessem uma pesquisa apontando o número de homens que aceitou ter filhos por livre e espontânea pressão (da mulher). Para a mulher, um homem que não deseja filho é visto como egoísta, insensível e indesejável, em uma palavra, um pária da sociedade.


2 - A maioria das mulheres teme ficar para titias.


3 - Sair da casa dos pais e buscar “independência”.


4 - Ter maior controle sobre o companheiro. O homem (ou mulher) casado (a) é mais fácil de vigiar do que um namorado (a). Muitos homens e mulheres, conscientes ou não, tentam logo amarrar seu objeto de amor porque assim ele não vai mais poder se divertir e gastar seu dinheiro com outros que não seja com ele (ela). Essa atitude decorre do ciúme que faz com que as pessoas não desejem compartilhar a pessoa amada com o mundo. Muitos ciumentos simplesmente não suportam que seu par amoroso se divirta e seja feliz sem a sua presença; a felicidade do ser amado sem ele (ela) por perto seria sinal de que ele já não o (a) ama como antes.


5 - E ainda poderíamos pensar no fator segurança. Muitos casam visando alguém que vai lhes amparar para o resto da vida. De fato, poucos não se sentem angustiados com a possibilidade de solidão na velhice.


Se as pessoas desejam tanto casar, por que passado certo tempo, as brigas se tornam rotina e o desejo de separação fica estampado em seus rostos? O aumento de separações não ocorre exatamente porque o casamento seja mau; é o formato perverso, que aperta como uma camisa de força, que obriga exclusividade e impõe regras que é injusto. E geralmente, tudo que é obrigatório gera infelicidade. O casamento convencional é semelhante a uma prisão, da qual cada um é impedido de sair e respirar outro ar de vez em quando. O casamento ainda se assemelha a uma ilha, onde apenas o casal convive, e ambos são proibidos de nadar até as ilhas próximas. Podem vê-las, admirá-las, mas não podem chegar perto. Isso é tedioso, cruel, desumano.


Alguns poucos casais que conseguiram dominar o ciúme, estão se aventurando em formas alternativas de casamento, como morar em casas separadas, praticar o casamento aberto, suingue ou poliamor. Mas não vi pesquisas que comprovem que estes casais são mais felizes do que os tradicionais.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Seres Humanos (Tiago Nascimento)

Já nasce, Já chora, Já mama, Já olha
Já sorri, engatinha, Já grunhe, balbucia
Já anda, Já morde, Já fala, Já corre
Já brinca, De bola, Já brinca, Lá fora
Já sabe mentir e amor sentir.

Já estuda, Já aprende
Já lê, escreve E entende
Já telespecta, Já namora
Mas o que gosta mais: jogar bola.
Já sabe sentir amor, mas prefere mentir.

Já mente, Já enrola, Já foge Da escola
Já procura liberdade, Não corta o cabelo
Já ouve Rock E demora no chuveiro
Já fuma, Já bebe E palavrões Escreve
Já se alista E trabalha E como adulto Fala.
Se sente amor, não sabe fingir.

Já namora, Se casa E quer Casa
Já trabalha Na fábrica E acha a vida: Muito lógica
Já é pai, Já educa, Se estressa, Machuca
É duro, É forte, Tem medo Da morte
Já comprou Um carro E mudou De trabalho
Já briga Com a esposa, E bebe -Que coisa!
Já casa Os filhos E anda Nos trilhos.
Já se aposenta Já para E nos “findis” Embaralha
Já reclama Da política, Sente medo De polícia
Ainda sabe mentir, mas prefere não mais iludir... ninguém.

Já tem riffs De nostalgia, É avô, Sofre de embolia
Já de muitos males Outros adoece
Já logo porém Reestabelece-se

Só observa A vida E manera A bebida
Já usa Peruca E caduca -Velho biruta!
Já adoece, Já morre, E no céu a Divindade o acolhe.
Já não pode fingir nem tampouco amor sentir.

Já conheceu Deus e pediu pra voltar
Pros seus Pro lado de cá.

Então nasce outra vez E chora de novo
Já mama outra vez, Já olha de novo
Já sorri outra vez, Já engatinha de novo
Já grunhe outra vez, Já balbucia de novo
Já anda outra vez, Já morde de novo
Já fala outra vez, Já corre de novo
Já brinca outra vez, De bola, de novo
Já brinca outra vez, Lá fora de novo
Já sabe mentir e amor sentir mais uma vez.

Já estuda outra vez E aprende de novo
Já lê, escreve outra vez E entende de novo
Já telespecta outra vez Já namora de novo
Mas ainda gosta mais De jogar bola... no play 2.
Já sabe sentir amor, mas prefere mentir mais uma vez.

Já mente de novo E enrola outra vez
Já foge de novo, Da escola outra vez
Já procura liberdade de novo, Não corta o cabelo outra vez
Mas não existem bons Rocks dessa vez...
Ainda se demora no chuveiro outra vez
Fuma maconha agora, E bebe outra vez
E palavrões novamente Escreve outra vez
Já se alista de novo E trabalha outra vez
E como adulto de novo Fala outra vez.
Novamente se estiver a sentir amor, não saberá fingir.

Já namora novamente, Já casa outra vez
E quer como sempre: Casa outra vez
Já trabalha novamente, Noutra fábrica dessa vez
E acha a vida novamente Muito lógica outra vez
Já é pai de novo, Já educa outra vez
Se estressa como sempre, Machucando os seus
E é duro novamente Sendo forte outra vez
Tem medo somente De morrer sem poder
Comprar novamente Um carro. Que belez...a.
Já mudou novamente De emprego outra vez
E briga de novo Com a esposa e as outras três
E bebe novamente - Que coisa! Outra vez?
Já vai casar novamente outros filhos dessa vez
E anda sorridente Nos trilhos outra vez
Já se aposenta novamente Parando aos 53
E nos feriados geralmente Joga damas ou xadrez
Já reclama novamente: De política, mais uma vez
E seu medo premente: Ficar demente de vez
Continua ainda sabendo mentir, mas prefere não iludir... ninguém.

Sofre crises de choro Por ser idoso outra vez
Então de novo vira avô E novos netos amenizam a viuvez
De muitos males novamente Outras vezes adoece
Já logo, porém, de novo, Tudo passa, se reestabelece.
Já usa mais de uma vez Pílulas azuis pro dormente
E caduca de vez. - Velho biruta! E indecente.
Não adoece de novo Mas morre outra vez
Pro túmulo vai seu corpo Mas sua alma, meu Deus!

Já não nasce outra vez
Nem chora, mama, olha ou sorri
Não engatinha, não morde
Não fala ou corre
Não brinca de bola ou re-brinca lá fora.
Não soube viver, melhor nem renascer.