sexta-feira, 25 de maio de 2012

102.0 Fm (Vana Comissoli)


Ouvir rádio é tão fora de moda! No entanto, enfiar aqueles cocozinhos de cabra nos ouvidos é enlouquecedor para mim, me dessintoniza completamente, então giro o dial e ouço uma FM lascada. De um modo geral não escuto nada, apenas alguém exercendo a função vadia de acompanhante Quasímodo.Serve para tocar o sino e não me fazer adormecer em cima dos livros.
Tem dias que se está mais atento, ou sensível, ou idiota e se percebe tudo que acontece, um sexto sentido cansativo e desconcentrado,onde preciso me concentrar e só vejo pisadinhas de camundongos no papel.Hieróglifos seriam mais compreensíveis. Então comecei a me embriagar de músicas melosas de amorinexistente no mundo fora da poesia musical. Quem ainda ouve essas chorumelas? Eu, está na cara! E mais seiscentas mil pessoas tão idiotas quanto.
“Diga, mesmo mentindo, diga
Que esse amor é pra valer
Diga que sem mim você não presta
Desespera e quer morrer”
Algum pedaço meu afundou em areia movediça de falsos sertanejos que de sertão só viram o reflexo num documentário que não os deixaria mentir. Eu não tenho amor e faz tempo, nem sei se tive um dia, parece-me que tudo foi apenas uma ânsia desgovernada por alguém que criei e nem precisava ter cara, bastava que falasse meu nome no meio da noite fingindo dormir para que eu achasse mais poético e mais brega. Qual amor não é brega? Olhos se revirando, sorrisinhos bailando samba-canção no canto da boca e um suspiro de vez em quando. Lá no fundo todo mundo sabe que o tesão está batendo asas de morcego dentro do baixo ventre.
O Roberto Carlos, este mistificador ou emérito pasteleiro, sabia muito bem por glacê na coisa: a gente abria todas as blusas que tinha.
Nos lençóis macios,
Amantes se dão,
Travesseiros soltos,
Roupas pelo chão,
Braços que se abraçam,
Bocas que murmuram,
Palavras de amor,
Enquanto se procuram.
Dor de cotovelo, já sei, nem preciso encontrar alguém no Facebook para me dizer isso. É a mais humilhante dor de cotovelo que vivi, nem sequer tem data, nome e endereço. Claro que sou super poderosa e viver dependendo de um telefonema é coisa que deixei para trás há muito tempo. Eu sou mais eu! O problema são essas letras cretinas falando de amores do tempo do Romantismo e que jamais existiram. Suicídios, copos de vinagre para ficar translúcida, lágrimas borbulhando soluços pela cara escorrida... Quem leva isso a sério? Ainda assim mexem com bichas e borboletas que estavam comportadas na minha barriga e formigam sensações de lembranças dispersas que desejo reviver. As sensações...Nem sequer é uma pessoa, um perfil refinado em especial, apenas um corpo para revestir emoções é o que me faz falta.
Sou muito ocupada e não tenho tempo para caçar arrepios em baladas, restaurantes de primeiro ou último grau e não me enfiarei em bares disfarçados de chiques para exposição de corpos cheios de desejos escusos ou nem tanto, já que a vergonha de sentir deixou de ser problema faz um tempo considerável.
Dou-me conta que sou mais antiga do que imagino, os olhares e a adrenalina tremendo as mãos e tornando a voz levemente esganiçada num disfarce bem pouco disfarçado é secura em minha garganta pedindo água.
Prometi a mim mesma: nada dessa charopice de envolvimento para sempre dar errado e alguém, seja quem for, metendo o pé na minha cara quando o efeito não é mais estimulante. Se ao menos eu fosse cocaína que o doido fica tomando mais e mais para repetir a primeira vez! Não sou, sou igual café de térmica, quanto mais tempo parado, mais intragável fica. Concluí isso e me tirei dessa posição patética de namoradinha de um amigo, inimigo ou desconhecido meu.
- Droga e por que então não giro esta praga de dial e ouço a FM Cultura? Mozart eBethoven tinham lá suas ridículas paixões e transformavam em música, mas pelo menos eu não entendo nada e a frieza do radialista especificando cantata, presto, andante e não sei quantabailançamais.Não faço ilações desnecessárias e massacrantes. Ouço, mais nada. Música não serve para ser ouvida? Por que precisam ficar declamando amores eternos que já se acabaram ou acabarão logo, logo?
Lá vem mais sertanejo romântico, ou romântico sertanejo, ou outro título inventado na semana passada para encobrir coisa alguma além da vontade de acordar as minhocas dentro de mim. Objetivo prá lá de sórdido, convenhamos.
Já entro num barquinho azul que vai encontrar meu bem enquanto o sol se põe em chamas ardentes de amorcaliente. É... As rimas são deste tipo mesmo, não importa muito se repetidas ou absurdas, o que importa é a frase poética e se for na boquinha da garrafa também serve. Saudades do Chico Buarque, pelo menos a poesia era de primeira linha e eu podia dançar valsinha e sonhar por uma noite.


“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar


E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar


E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz”


Tem cheiro de verdade, de possível... Mas... mas... ficou bem pior cantarolar na cabeça esta beleza toda enquanto os meteoros da paixão ensandecem o rádio que não ouço mais.
Bem que podia ser verdade e sair por aí, a esmo, esbarrar em alguém que parecia uma sombra no desvão da esquina, encontrar olhos de “vamos brincar de amor”, logo em seguida balançar a cabeça afirmativamente uma vez que a boca está aberta sem som algum e os olhos reconhecem nos teus que nem olhos tens o grande amor pelo qual cantei e ouvi horas a fio uma FM de última qualidade.


Vana Comissoli

domingo, 20 de maio de 2012

Brumas (Tiago Nascimento)

Hoje eu acordei com medo,
medo de cair
Um precipício de sonho
formou-se por aqui
Minhas pernas não se firmavam
tive de ficar
Mais dois minutos na cama
antes do despertar.

Minhas dúvidas, meus medos
são partes do que eu sou
se resolvo não acordar ceedo
te pergunto: o que mudou?

Vejo da minha janela sombras
feitas pelo sol ao se mover
Veja que ironia: um brilhante astro
fábrica de escuro ser
E o meu rosto no espelho
sei que logo vai mudar
mesmo se o rubor vermelho
nunca me abandonar.

Minhas certezas e coragens
fazem parte do eu que sou
se opto pela verdade
te pergunto: o que mudou?

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sotaque Italiano (Marcelo Lamas)

A minha namorada é cinco centímetros mais alta do que eu. Ela nega e diz que são apenas dois. Esta diferença a favor dela nunca foi desconforto para mim.
Percebi que, com o tempo, ela foi gradativamente reduzindo o tamanho dos seus saltos. Hoje, costuma sair praticamente ao nível do mar.
Você já deve ter visto aquela situação em que o homem vai a algum lugar sem a sua respectiva e, ao voltar, é recebido com ironias do tipo: “Onde você estava tão arrumadinho assim?” ou “Pra que tanto perfume?”.
Comigo o problema é outro. Posso aparecer vindo do futebol, do trabalho, da academia, de uma viagem ou de um evento social que exija traje alinhado. Não serei alvo de alfinetadas por causa de vestes ou odores.
O meu drama é outro, uma variável distinta: “Topetinho alto, hein?!” ou “Sim, colocou o topete lá no teto, né?!”.
E tudo se potencializa com um sotaque que aparece repentinamente, fazendo-a parecer uma imigrante italiana recém saída do navio.
E se eu tiver usando meu sapato com salto interno que dá um ganho de seis centímetros a coisa piora muito pro meu lado.
Se eu aparecer na casa dela com um moicano no estilo do Neymar é demissão na certa.
Se bem que ela disse que acha o camisa 11 bonito. Ela também elogia muito o Zezé di Camargo, vai entender.

Marcelo Lamas, autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”.
marcelolamas@globo.com

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Bloody Mary (Fernando Bastos)

Se o simples bater de asas de uma borboleta causa modificações no ar, podendo gerar uma tempestade no Pacífico, imagina o que poderá acontecer à Humanidade se eu me aproximar daquela mesa e me declarar?


Não, não estou louco. O “efeito borboleta” existe, e se você olhar para trás, verá que talvez o que o levou a estar onde está, foi motivado por um evento aleatório, independente de suas aptidões ou carências. Um mendigo que lhe pediu uns trocados, evitando que atravessasse a rua e fosse atropelado por um motorista bêbado; uma discussão tola que o fez mudar de emprego, e assim se tornar o dono do próprio negócio; um esbarrão no supermercado com aquela mulher que anos depois se tornaria a mãe de seus filhos. Se Alois Schicklgruber, um funcionário austríaco de alfândega não tivesse conhecido Klara Poezl, ele jamais a teria contratado para trabalhar como doméstica, não teria casado com ela, e jamais teria feito um filho nela que seria chamado Adolf Hitler.


De modo que não posso errar. Tenho que decidir enquanto há tempo. Um cristão crê no “livre arbítrio”, que temos a liberdade para escolher entre o bem e o mal. Já um budista acredita no “carma”, somos resultado de ações em uma vida passada. Há quem acredita em destino, de modo que nada que eu fizer tem importância, pois assim como as Moiras fiavam o destino dos deuses e dos homens, o meu também já está traçado. Façam suas apostas. Não sou cristão nem budista, não acredito em destino, sou um “sem religião”, e, se de fato existe um Deus, que nos deu liberdade de escolha, bem que ele poderia ter nos programado para apertar o botão certo sempre que estivéssemos diante de uma encruzilhada, como estou agora, de sorte que nunca olhássemos para trás arrependidos.


Seria bem mais fácil.


Tudo bem, se deve ser assim, vou em frente. A decisão é minha, estou a menos de dois metros da mesa encimada por garrafas, copos de cerveja e taças de batidas; há poucos obstáculos entre mim e ela. Vejo seus dedos longos e finos tamborilarem a taça com um líquido verde. Ela sorve deliciosamente a bebida pelo canudo, fazendo biquinho, e de perfil, seus lábios formam um coração perfeito. Quase morro ali mesmo. Para forçar a passagem, minha mão afasta um blazer escuro, meu braço raspa numas costas brancas, dentro de um vestido de decote generoso. Não sei se terei êxito; se ela se interessará por mim. Tomara que  goste de Blood Mary.


Estou entorpecido. O som do bar é um zunido de abelhas, só lembro que antes tocava “Wish you were here”, parecia dedicada a nós, meu amor, agora o som das conversas se esvaece como bolhas de sabão, não ouço mais a banda tocando, não ouço mais nada, só vejo você, sorrindo, ladeada por imagens foscas, corpos que tremeluzem e dançam semelhantes a fantasmas.


Sento ao lado dela. Ainda bem que havia uma cadeira vazia. Coração a mil.


- Oi, aceita um gole desse Blood Mary?


Ela olha assustada, quem é esse maluco que senta ao meu lado sem mais nem menos? Mais um bêbado perdido, deve ter pensado.


Eu me aprumo, já que comecei vou até o fim.


- Estou aqui por causa de seus olhos. Sonho com eles todas as noites, e nem a conhecia. Ou melhor, sonho com você inteira. Você é quem me visitava nos sonhos, por isso vim aqui para dizer que finalmente a encontrei.


Ela bebe mais um pouco do líquido verde, limpa com um guardanapo o canto da boca, olha para a amiga da direita, ri sem entender nada. Eu continuo: - Faremos um filho que mudará o mundo; ou descobrirá um remédio para a cura do câncer ou será o presidente que irá acabar com as guerras. - Agora eu falava quase gritando, e penso que talvez eu a tenha assustado um pouco, porque ela inclinou o corpo para trás, quase caindo da cadeira. Segurei-a para evitar o tombo. - Viu? O destino da Humanidade está em nossas mãos, somos borboletas prestes a mudar os rumos do planeta.


Ela ouvia-me com a boca levemente aberta, de modo que os dentes que apareciam, muito brancos, contrastavam com os lábios vermelhos, numa expressão que não identifiquei se era de medo ou de pena. Um fantasma ergueu-se da mesa, levantou o braço e chamou alguém. Dois gigantes de ternos pretos me levantaram da cadeira como se eu fosse um saco de lixo e fui jogado para fora, na calçada. Em seguida, levei um chute no meio da boca de um sapato que não sei de onde veio. Tive a impressão de ouvir alguém dizer: “namorada”... “ tirar as mãos dela”...


O sangue jorrou da minha boca, enquanto eu tentava desentortar meus óculos e apanhar um dente. Foi melhor assim. Vai que ela aceita, e nosso filho se torna outro genocida.



Fernando Bastos

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Para os que amam gatos (Sônia Pillon)

Nem todos gostam de gatos. Há os que os
detestam e não suportam a ideia de ter um
bichano por perto. Alguns chegam ao extremo de
odiar os felinos, a ponto de maltratar, torturar
e até matar, de fome, a pauladas, afogados... O
grau de crueldade e as insanidades humanas são
inúmeras, e não cabe nesse momento enumerar.


Afinal, o papo aqui não é para os que odeiam
felinos, mas sim, para os que amam gatos! Sim,
porque não existe meio termo quando se trata
desses animaizinhos de pelo macio e miados
manhosos. Isso porque dificilmente um gato
provoca sentimentos de indiferença nas pessoas.


Poucos conseguem manter o olhar de um
gato por muito tempo. Geralmente as pessoas
desviam o olhar primeiro, desconcertadas. Pode
ser perturbador ser olhado de uma forma tão
penetrante, como a desvendar mistérios...


Os antigos egípcios consideravam o gato uma
divindade, de tanto que admiravam suas
qualidades de estrategista, raciocínio rápido e
agilidade, até para eliminar os ratos. No tempo
dos faraós, gato era sinônimo de extrema boa sorte.


Na Idade Média, durante a “Santa Inquisição”
dos católicos, os felinos eram associados às
feitiçarias. E portanto eram queimados, como
as bruxas. Mas eles seguiram em frente e se
proliferaram pelo mundo...


A altivez característica de um gato aparenta
nobreza, com um toque de segurança. Seus
movimentos estratégicos e seu porte transpiram
independência. E mesmo que você o alimente e
o mantenha com você, não se engane: ele estará
sempre no comando!


Egocêntricos, manhosos, dorminhocos,
preguiçosos, traiçoeiros... Não faltam definições!
Gatos adoram se adonar de um canto da casa que
você considera seu, como um sofá, ou a cadeira
mais cobiçada da sala. Mas não fique chateado.
É uma característica deles. Eles não tem como
evitar...


Apesar de parecerem tão mimados e birrentos
-com suas unhas afiadas, sempre prontas para
darem o bote, se forem contrariados - eles
também podem ser adoráveis, afetuosos e fiéis
com seus donos, reconhecidos pela casa, comida,
banhos, pet shops e tudo o mais... Ou seriam eles
os “donos do pedaço”?...


Outra dica: assim como os cães, se você adotar
um gato abandonado, tratá-lo, alimentá-lo,
cuidar de sua saúde e higiene, der toda a atenção
e carinho, ele certamente saberá retribuir! Pode
ser a companhia ideal para quem vive sozinho,
por opção, ou não.


E nunca se esqueça que ter um gato de verdade
não é como ter um bicho de pelúcia! E que
adotar um animal de estimação implica em
responsabilidade. Você não pode simplesmente
acordar um belo dia e decidir jogar o seu gato
fora, como se fosse lixo, caso se canse dele ou
decida viajar... Nesse caso, melhor deixá-lo livre
para procurar outro lar. Sempre haverá alguém
que adorará ter a companhia dele por perto. Para
os que amam gatos, sempre haverá um lugar
reservado, na casa e no coração.


Sônia Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre (RS) e desde 1996 radicada em Jaraguá do Sul (SC), Brasil.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

3 palavras (Tiago Nascimento)

Esperança.
espero o ônibus passar na minha rua
quero que ele pare, mas a luta continua
a luta contínua da vida por sobreviver
vejo a vida que passa e eu sem a viver.


Fé.
amanhece e faz frio na praça onde acordei
logo busco na cachaça o calor que não encontrei
aqui nesse banco de praça, passo o dia e vejo bem
que há uma evolução possível; do ônibus pro trem


Realidade.
faço de conta que eu não sei do amanhã
pode até não ser como hoje, mas sou o bicho na maçã
que é a cidade purulenta, eu conheço o meu lugar
acredito na fé e na esperança, mas nada mudará.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sigilo (Marcelo Lamas)

Já fazia um bom tempo que ele estava à procura de alguém para ter um relacionamento definitivo. Recentemente até tinha ficado com algumas meninas, mas quando as conhecia de perto, a coisa não andava, sempre aparecia alguma incompatibilidade de gênios ou, simplesmente, não rolava a química.
Mas naquela noite ele saiu sem expectativa alguma, com uma turma de amigos. Nem de carro ele foi, descolou uma carona.
No barzinho, com música ao vivo, o clima era bom, com proporção altamente favorável com muitas mulheres por metro quadrado. Ele percebeu uma cruzada de olhares com uma morena. Mas descartou de cara qualquer possibilidade, pois com tantas opções, ele menosprezou seu instinto apontando para a morena, pensou que não seria a primeira abordagem que iria vingar. E, afinal, ele não tinha saído para procurar alguém.
Com o decorrer da festa, ele percebeu que a morena despachara supostos interessados durante toda a noite e continuava por ali. Assim, ele resolveu fazer uma aproximação e puxou conversa. No meio do assunto, ele questionou:


- O que você faz?
- Sou daqui mesmo.
- O som está muito alto, acho que você não entendeu minha pergunta, o que você faz?
- Ah! Sou funcionária pública.
- Legal, eu sou engenheiro, trabalho numa indústria.
- Poxa, engenheiro! Você deve ser bom em matemática, né?
- Bom, tive que estudar bastante. Mas, você faz o que especificamente? Indagou ele.
- Trabalho pro governo do estado.
- Na saúde?
- Não. Não sou enfermeira. Vou pedir mais uma bebida.


Chamaram o garçon, tomaram mais uns drinks, voltaram a conversar descontraidamente.
Ele perguntou:


- Como você veio para a festa?
- Vim de carro.
- Você pode me dar uma carona?


Ela desconversou, aproveitou que uma amiga vinha passando, enfiou o braço nela, deu um tchau apressadamente e vazou da festa.
Na semana seguinte, falaram-se por telefone e combinaram encontro num bar.
Ele estava encucado. Por que ela tinha ido embora daquele jeito acelerado, fugindo? Por que ela não disse qual profissão exercia?
No fundo ele estava com medo que ela fosse professora de educação física. Pois ele já tivera um affair com uma professora no passado e o namoro não emplacara devido ao ciúme, pois além de trabalhar em uma escola pública, aquela professora também era personal traineer numa academia “cheia de homens se exibindo”, como ele dizia. Será que o filme se repetiria?
Depois da enrolada inicial, ele indagou:


- Em qual área você trabalha?
- Segurança Pública.
- Você é escrivã?
- Não sou delegada.
- Delegada?! Que legal. Por que você não falou antes?
- Porque a profissão exige que eu seja discreta. Aproveitando, quero pedir-lhe desculpas, naquela noite eu estava a fim de ficar com você, mas prefiro agir com mais parcimônia. E Também fiquei com medo de lhe dar uma carona logo na primeira vez, pois a gente nem se conhecia direito.


Até o fechamento desta edição as histórias dos dois permaneciam cruzadas.


Marcelo Lamas, escritor e autor de “Mulheres Casadas têm Cheiro de Pólvora”.
marcelolamas@globo.com