quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Existem Momentos ... (Patrícia Grah)

Existem momentos na vida em que você passa a não mais se identificar com aquilo que fazia parte da sua realidade. Você abandona velhos hábitos, joga fora velhas coisas, liberta-se de vícios, hobbyes e amizades, por achar que aquilo não faz mais parte de quem você se tornou.


Você liga a televisão e nenhum programa te agrada, olha para os livros que você leu e nenhum te diz nada, conversa com as pessoas e nenhuma te diz nada que agregue, olha para si mesmo e vê que não sabe mais quem está vendo. Passa a ser criterioso em quem entra na sua vida – e quem deve sair. Então você percebe, enfim, que o problema não está no mundo, não está nas pessoas, e sim em você mesmo, que percebe que não há pecado nenhum em desistir de quem se era para tornar-se quem se quer ser, a menos que neste percurso alguém saia prejudicado.


Mas sempre fica o aprendizado, e não adianta e martirizar com a culpa do sofrimento alheio, porque ninguém será feliz no seu lugar! Jogar tudo pro alto nunca foi problema, na maioria da vezes é a melhor solução.


Abster-se dos julgamentos, compreender que você não precisa sorrir pra todo mundo e nem aceitar tudo que lhe é imposto faz parte da solução. Às vezes é necessário esvaziar-se de tudo, para então preencher com o que realmente vale à pena.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Estava escrito (Fernando Bastos)

Em uma escola havia quatro livros, quatro salas de aula, quatro professores, cada um responsável por uma sala somente. Todos tinham um desejo em comum: levar sua pedagogia às quatro classes, de modo que a escola adotasse um único livro, o seu.
A disputa entre eles para ver quem era o mais popular entre os alunos recrudescia dia após dia. A animosidade entre os Mestres influenciou o comportamento dos estudantes, que passaram a brigar entre si, sala contra sala, em defesa de seus respectivos preceptores, bem como pela escolha de qual seria o melhor livro para orientá-los.
O diretor, percebendo que os ânimos não se acalmariam, decidiu contratar um novo professor, com a missão de trazer paz àquele estabelecimento. No dia de sua chegada, todos se reuniram no pátio, aguardando o pronunciamento. Ele se dirigiu à tribuna, puxou o microfone, apresentou-se e disse:
Meus caros, vejo que todos vocês têm bons mestres, cujo desejo comum é conduzi-los no caminho da Verdade. Mas onde está a Verdade? São quatro livros, que divergem entre si; então, a princípio, apenas um tem a resposta. Ou talvez, nenhum deles...
Um burburinho tomou conta da plateia, e o diretor temeu por mais confusão. O orador fez um sinal para que pudesse continuar e o silêncio voltou, sob uma atmosfera de desconfiança e medo.
- Li-os um por um e descobri que todos os livros contêm auríficos ensinamentos sobre o amor, caridade, perdão, compaixão, que, se observados, podem conduzi-los à senda da paz e da felicidade. Mas, tristemente, achei doutrinas que contradizem as primeiras. Veremos quais são elas:
O livro um, chamado assim por pertencer ao professor mais antigo, contém registros que estabelecem a pena de morte para adúlteros, homossexuais, astrólogos, pessoas que consultam os espíritos e moças que perdem a virgindade antes de casar; dá conselhos de como castigar um escravo, permite ao pai vender a própria filha e matar filhos rebeldes. Pode-se imaginar que, com tais regras, podemos formar bons alunos e adultos sadios no futuro?
O livro dois informa que aqueles que não seguem seu Mestre, serão encerrados numa cadeia sempiterna, onde haverá choro e castigos terríveis. Dirigindo-se ao professor, disse:
- Conversando com seus alunos hoje de manhã, notei que eles seguem o senhor mais por medo do castigo do que por convicção, e alunos que são instados a crer, sem poder questionar, não podem crescer psicologicamente. Coagir alguém a acreditar em algo, sob ameaças, não é uma conduta ética.
O livro três separa as pessoas em castas, sendo a última, a mais prejudicada. O integrante desta casta não pode aspirar ascensão na sociedade, de modo que lhe está reservado os serviços mais abjetos, que os das demais castas desprezam. Não pode chegar perto dos superiores, pois sua sombra os conspurcaria. Ora, a ciência demonstra que todos os seres humanos, dadas as condições necessárias desde o nascimento, têm as mesmas chances de progredir. A separação de castas é terrível, pois discrimina pessoas baseada na falsa premissa de que alguns nascem inferiores.
O livro quatro é especialmente favorável aos homens, mas repreensivo às mulheres. O homem tem direito a quatro esposas, pode bater nelas, e elas devem se cobrir inteiramente, somente o rosto pode ficar livre dos tecidos. Vim a saber do motivo: é uma proteção às mulheres, já que os homens são historicamente lascivos, e violentam mulheres pela simples visão de um tornozelo descoberto. Talvez em vez de punir as mulheres com tanto tecido, que lhes impede o prazer do toque do sol diretamente na pele e torna difícil sentir a brisa do vento esvoaçar seus cabelos e eriçar-lhes os pelos dos braços, deveriam punir os homens que não conseguem domar a libido, assemelhando-se a animais irracionais.
Meus queridos, os quatro livros são importantes, mas parte de sua doutrina está lhes fazendo mal por destruir relacionamentos, humilhar pessoas e promover a discórdia. Observei que esses livros são profundamente misóginos e machistas. Será porque foram escritos por homens?
Fui contratado para devolver a paz a esta escola. Confesso-lhes que também não sei qual o caminho da Verdade, mas tenho uma pergunta que pode ajudá-los:
Se está comprovado que a doutrina de ódio, segregação e preconceitos está lhes fazendo mal, não seria melhor abandoná-la, e abraçar somente aquela que incentiva o amor, a bondade e o respeito aos outros?
Sei que é difícil ser seguida por todos, mas se a maioria aceitá-la e guiar-se por ela, as chances de paz estarão bem mais próximas.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Quem Matou O Senador? ( Sônia Pillon)


Cena 1 –
Um homem morto de meia idade, cabelos grisalhos, de paletó e gravata na cor cinza, está deitado de bruços no alto da escadaria do Senado. Ele está com o corpo encharcado pelo sereno e envolto em uma poça de sangue. A área está isolada pelos policiais, que fazem anotações, recolhem evidências e registram em fotos a cena do crime.
Por fora da área isolada, repórteres de televisão, rádio e jornal, fotógrafos e cinegrafistas de todo o país e correspondentes estrangeiros fazem a cobertura e especulam o que levou ao assassinato.
“O senador Demóstenes Robalho foi encontrado morto na manhã de hoje, no alto da escadaria do Senado, com o corpo encharcado e envolto em uma poça de sangue. Nesse momento, policiais buscam pistas para o autor do crime. Por enquanto, se sabe apenas que ele foi morto com um tiro no peito. A Polícia trabalha com as hipóteses de crime passional, político, ou queima de arquivo.
Nos últimos meses, Robalho estava sendo investigado por supostas ligações com o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Também existiam rumores de que estaria se separando da mulher, supostamente por ter uma relação extra-conjugal com a secretária do gabinete.”
“Alô, ouvintes da Rádio Planaltina do Norte! Estamos aqui na porta do Senado Federal, onde ainda se encontra o corpo do senador Demóstenes Robalho, encontrado morto por volta das 6h de hoje, com um tiro certeiro no coração. A Polícia investiga as possíveis causas e a autoria do crime. Nos últimos meses ele foi acusado de corrupto e haviam rumores de que o senador estaria mantendo um caso com a secretária do gabinete. Só o que se sabe, por enquanto, é que não foi um assalto, porque a carteira e os documentos de Robalho estavam intactos.”


Cena 2
(O senador aparece em cena sendo arrastado por um homem alto e forte, encapuzado e que usa luvas. Ele joga o morto no chão e retira rapidamente o lençol. O carrasco olha para os lados e pega o celular).
Carrasco - Alô! O serviço tá feito, “doutor”! Esse aí não incomoda mais! Não, não, ninguém ouviu nada, não, “doutor”! Não tinha ninguém por perto... Tudo susse... Certo, certo, já tô vazando daqui!


Cena 3
(Em um bar, na penumbra, o senador conversa sorrateiramente com um homem que usa chapéu “panamá”, camisa de estampa florida, óculos escuros, pulseiras, anelão de ouro, e fuma um charuto. Os dois estão tomando uma cerveja).
Senador - A situação não está nada fácil! O povo está pressionando! Estou lutando para que a votação seja secreta. O senhor sabe que somos parceiros, uma mão lava a outra...
(O homem de chapéu pega uma maleta e entrega ao senador).
Homem do chapéu - Pode abrir e conferir, tá tudo aí... Não me decepcione! Gastei um dinheirão na última campanha e espero que não tenha sido em vão... Você me conhece e sabe que fico nervoso com quem me trai!
Senador - Não se preocupe, conte comigo sempre! (Sorri, pega e abre a maleta, confere as notas, depois a fecha, a segurando com as duas mãos).
Homem do chapéu - Mas hoje eu vim também fazer um outro pedido... Preciso que dê um emprego para a Valdinete...
Senador - Infelizmente, essa vaga já é ocupada pela Irene... O senhor sabe, aquela mulher é a minha perdição...
Homem de chapéu - Você tá me dizendo que não vai atender um pedido meu?! Coloca só na folha de pagamento e pronto!
Senador – Vou tentar, mas não sei se posso fazer isso, a imprensa está no meu pé... E o pior é que também andaram falando que a Irene é minha amante! Publicaram uma foto nossa jantando naquele restaurante da lagoa, e a minha mulher ficou furiosa... Neguei tudo, é claro, mas ela parece desconfiada...
Homem de chapéu – A sua mulher é problema seu, não tenho nada a ver com isso! Ok, você é que sabe! O aviso foi dado. Depois não diga que eu não avisei!...
(O homem de chapéu se levanta abruptamente, faz um sinal apontando o dedo para o rosto do senador, vira as costas e vai embora. O senador arregala os olhos e olha em direção ao homem de chapéu).


Cena 4
(Em uma mesa com toalha rendada, uma taça, uma garrafa de vinho, prato e talheres cruzados está o senador, comendo uma sobremesa, quando o celular toca).
Senador – Alô, boa noite! Estou terminando o jantar no restaurante chinês. O que? Pois é, infelizmente não consegui encaixar a sua menina no meu gabinete... Até tentei, mas... Sinto muito!...
Hã? Sim, eu entendo, mas a votação foi aberta, como é que eu poderia votar contra?!... O senhor entende, né?... Mais uma vez me desculpe, não foi dessa vez...
Ah, esse documento está no meu gabinete, posso providenciar amanhã para o senhor... Mas... Ah!... Sei... Bom, nesse caso, eu vou voltar agora mesmo para o meu gabinete, antes da sua viagem... Sim, sim, estou indo lá! Não, não, não vou comentar com ninguém... Até daqui a pouco!


Sônia Pillon

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Memórias de Areia (Thiago Daniel)

Corria o cão

Sem raça

E pela areia deixava as pegadas

As ondas

Absorviam mais aquela memória

O vento

Carregava



Sábio mar

Apanhador desaberes

Minúsculos conhecimentos

Dos minúsculos grãos esvoaçantes

O vento só leva

Não guarda

“Se querem, busquem” – ele sopra

E põe-se a correr



O mar fica ali

Tempo gordo,

Hora cansado

O vento some

Vezes cortante

Outrora

Apressado



Ela fica com os dois

Aprendeu com seus antigos

Nunca desprezar os deuses do cognitio

Num mergulho apanha o alimento

E às vezes

Vai com o vento



Quando volta

As pegadas

Não mais existem

Extraviadas pelo mar ou pelo vento

Não importa

Lá de cima, realmente não importa

Só espera as próximas pegadas

É tão lindo ser gaivota

sábado, 4 de janeiro de 2014

Renascimento (Elianete Vieira)

A vida se renova.
Nada como um dia após o outro.
O futuro a Deus pertence.
Frases batidas, mas sempre atuais.

O velhinho se despede
Em meio à emoção
Lembrando tudo o que passou
Momentos felizes, outros não.

O futuro vem chegando
Nascendo na escuridão.
Trazendo sonhos, desejos,
Amor, saúde e realização.

Quem viveu o velhinho
Agora festeja o nascer do bebezinho.
Comida, bebida, saudações e carinho.
Fogos iluminam o novo ano que chegou de mansinho.