Quando ligou o computador, naquela tarde fria de final de outono, prenúncio de inverno, teve uma surpresa e uma constatação. Então era por isso que os contatos terminaram? O que queria, então, aquela figura que se desmanchava em gentilezas toda vez que nos encontrávamos na sala virtual, para trocar confidências e programar encontros que nunca aconteceram, para comentar o filme agraciado com o Oscar do ano ou o próximo livro do nosso autor preferido?
Não, eu não acalentava ilusões, não, mas ser bloqueado assim, sem mais nem menos, faça-me o favor... Tudo falsidade, então? Tudo blá-blá-blá inútil? Não que eu esperasse um mar de rosas, uma vie en rose (ah, saudades das interpretações da fantástica Edith Piaf e, particularmente, de sua La vie en rose), um sei lá o quê mais... Indignação, frustração, vergonha, culpa pelo tempo que roubei à família para passar com um miasma extrovertido, uma figura de ficção criada a cada dia, um jogo em que eu sabia das chances (muitas) de insucesso.
Entretanto, mesmo acreditando que nunca seria lido, compus um poema a ser remetido, via e-mail, para o endereço conhecido. Não teria mais interlocutor no Messenger diário, não, mas quem sabe ele conseguiria incomodar um pouco, se o objetivo fosse alcançado, isto é, se a leitura fosse realizada. De qualquer forma, precisava extravasar, tirar a mão que me apertava a carótida e tirava meu ar, já rarefeito pela emoção.
Escrevi e formatei.
Segue abaixo, como registro dessa loucura desmesurada:
Ariadne
Tu me deste uma ilusão
e eu agarrei-me a ela
como se fosse verdade. Não era,
e a descoberta dessa realidade
fez-me cair em mim e,
dada a altura, machucou.
Muito.Como era bonita a ilusão:
nós a alimentávamos
várias vezes ao dia,
via mensagens no celular e,
à noite, invariavelmente,
no MSN, via internet, horas a fio,
ficávamos vendo-a crescer.Ficou maior que nós, essa ilusão...
E tão grande foi que morreu de inanição,
não a podíamos mais alimentar,
estava roubando-nos, comendo-nos,
tirando nosso sossego,
tínhamos que tratá-la, fazê-la bonita,
dar-lhe ares de Realidade.E agora, quando enfim morre,
quase me enterra junto.
Eu que a pensava também tua
não sei o que nela vias,
mas sendo isto ou aquilo,
o melhor dela era o seu poder
de nos tirar da vida real ou criar
uma outra existência, estranha realidade,
onde vivíamos com a ilusão que alimentávamos,
horas a fio, até que o fio da vida nos trouxe de volta,
ou não, caso contrário estaria fazendo coisa
mais produtiva do que escrevendo sobre ela.11 jun 2008
Talvez para mostrar desespero, num simbolismo à Van Gogh, colori a página de amarelo, amarelo berrante, amarelo que expressasse um uivo, um grito, uma risada de escárnio. As letras ficaram em preto, mesmo, para efetivar o contraste. Que acentuei aplicando um estilo Negrito. Li e reli, pensei na possibilidade de recepção, no entendimento (ou não) do que escrevi, da fantasia de ser, a comunicação via Messenger, reabilitada. Eu aceitaria? E o tão falado amor-próprio, fadado ao limbo? Quantas vozes na cabeça: faz – não faz, vai – não vai, manda – não manda...
Deletei.
Fez bem em deletar.
ResponderExcluirNa vida há momentos de roleta russa, nela, passa-se apenas alguns segundos, que diante de nossos olhos, projetam-se para fora da nossa realidade, rumo ao infinito de paredes sólidas e rígidas, que param repentinamente em uma explosão de contrastes atônitos e vulgarizados.
ResponderExcluirSeja a bala agora! Siga em frente, uma hora você acerta o alvo...risos
Abraços Inacio,
Marcio.
Por que flecha é coisa do passado.... risos...
ResponderExcluirLindo testo e se foi baseado em fatos reais lamentável terminar assim.
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