E o Roberval chegou de mansinho na minha mesa e me intimou:
- Agora só falta a tua parte!
Fiquei pensando em alguma pendência profissional que eu tivesse com ele. Não lembrei de nada e questionei:
- Desculpa, não tô lembrando. O que estou te devendo?
- Não! Não é que tu estejas devendo. Mas é o seguinte...já encomendei o jantar e as flores e despistei a Luzmarina.
- E tu precisas de mim pra quê?
- Ora, pra quê? Tu não é o escritor?
- E o que isso tem a ver?
- Vou pedir a Luzmarina em casamento hoje à noite e agora só falta tu ‘escrever’ o cartão.
- Como assim?
- Ué!? Vou te dar o cartão que comprei e ai tu escreve o pedido de noivado por mim.
- Como eu vou fazer isso?
- Bem, aí é contigo né? Tu és escritor, deves saber o que escrever.
Além de obituário, estatuto de time, carta para antecipar passaporte, eu tinha um certo histórico no segmento “amor”, pois fazia cartinhas pra uma namoradinha do colégio – mas a prima dela que fazia o papel de carteiro foi quem apaixonou-se – e também participei de uma tentativa frustrada de fazer uma guria voltar pra um amigo meu.
Como o Roberval era bem parceiro e eu torcia pelo casal, fiz o texto pro caboclo. Ele disse que apenas transcreveu e assinou. E o bolo já foi encomendado.
Noutra ocasião, a Gertrudes aprochegou-se:
- Oh! Lamas, tenho um convite pra te fazer...aceitas ser o comentarista do meu casamento?
- Claro que sim, respondi prontamente.
- Não queres pensar com calma e responder depois?
- Já tá confirmado!
Dei a resposta de bate-pronto por causa da consideração pela guria, que mesmo sendo de uma família religiosa, convidou a mim, um colega de trabalho, impossível recusar.
Somente na véspera do enlace, fui entender o porquê dela ter oferecido “um tempo pra pensar”. Ela entregou-me uma “apostila” com as minhas falas e de vez em quando eu passava a bola para o padre. No dia que aceitei o convite achei que seria apenas para ler um versículo.
Fiquei com a consciência pesada, pois embora eu tenha amigo padre, tenha jogado futebol no time dos seminaristas de Corupá e o hábito de preencher cadastro atestando ser católico, eu NUNCA me confessei e mesmo assim tava lá em cima do altar, no meio dos graduados.
Em contrapartida, eu li a Bíblia três vezes. Coisas da vida de escritor.
Marcelo Lamas, autor de Arrumadinhas.
Uma ótima comparação. Afinal casamento não é bem assim? Se concorda sem pensar muito e quando se dá por conta está lendo uma Bíblia não planejada.
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