domingo, 11 de novembro de 2012

Perspectivas para uma segunda (Adriana Niétzkar)

- Você poderia cortar os galhos da sua árvore?
O vizinho se aproxima do outro até o limite do muro alto:
- Bom dia! o que disse?
- Sua árvore. As folhas dela estão sujando meu quintal.
O vizinho olha as britas através do muro alto, sufocando um pensamento


                                                                                               "quintal?!":


- Folhas... Ah sim, as flores do ipê!
O outro pensa,


                                                                                        "Flores?! mas a árvore está toda amarela..."
E por fim diz:





- Certo. Passei a tarde de ontem limpando meu quintal e hoje está tudo assim de novo, você poderia cortar o galho?




                                                          "Ou eu mesmo posso encostar uma escada"

- Sim. Posso, mas ainda assim o vento pode carregar algumas flores...
- E cortar a árvore?

                                                                                        " Cortar meu ipê? Vou plantar um pé de manga pra cheirar no seu quintal..."


- ahhh... bem, ela logo para de florescer e essas flores são lindas, não são?! passei a manhã admirando elas... eu as deixo sobre meu gramado, veja?!


o vizinho estica o pescoço a contragosto para ver o verde-amarelo do outro:
- Sim, estou vendo...


E lhe dá as costas em um último pensamento.


                                                                                      "Vizinhos"


- Tenha um bom dia!!!
Grita o outro antes de seguir para seu trabalho,


                                                                                       "vizinhos!"


e vai sorrindo para as flores sob seus pés no gramado e em sua calçada antes de caminhar no cimento friu.

                                                      " Que mal ha em ter um pouco de vida nessa cidade tao sem terrra e cor?!"


O vizinho despede-se com um braço meio levantado, sem olhar pra trás, evitando olhar sua brita, mas logo caminha sobre flores na calçada, mal humorado, as pressas para chegar ao lado limpo. Vê o varredor na outra esquina, quando voltar o serviço dele já terá desaparecido.


                                                                                    "Qual a dificuldade em se deixar a vida no campo?"


Alguns pássaros cantantes pousam sobre os galhos amarelos. A rua povoa-se com o frenesi de carros de todas as cores.


4 comentários:

  1. "Passei a manhã admirando elas… eu as deixo sobre meu gramado, veja?" A natureza é efêmera, a imbecilidade humana é permanente... Que pena, que pena...
    Parabéns pelo momento de reflexão.
    FOLHA NÃO É SUJEIRA, FLOR MENOR AINDA...
    Abraços.

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  2. É isso mesmo Inacio.
    Foi o trecho que mais me tocou.
    A Adriana continua sensível como nunca!

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  3. Retirem-se as sujas árvores e plantem cemitérios de concreto armado e continuemos armados até os dentes por medo da vida.
    Ah... compre flores de plástico quando a cor lhe fizer falta para sobreviver.

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