As arquibancadas estavam lotadas.
Especialmente pelas crianças, que se agitavam,
olhos brilhantes e sorrisos de expectativas.
Estavam acompanhadas dos pais, irmãos e
coleguinhas de escola. Algumas seguravam balões
coloridos, outras pacotes de pipoca, que comiam
avidamente, com os olhos fixos no picadeiro.
E pouco importava se parte da grande lona do
circo estava remendada e com goteiras em alguns
pontos. Eles estavam ali para assistir o palhaço,
com sua roupa espalhafatosa e desajeitada, sua
maquiagem engraçada e suas tiradas ingênuas.
Mas não eram só os pequenos que se
encantavam com as palhaçadas desse artista
de tradição milenar. Os adultos, também! Eles
voltavam à infância, ao tempo em que andavam
descalços pelas ruas e jogavam ‘pelada’ no
campinho do bairro... “Bons tempos, aqueles!”,
pensavam, num instante de nostalgia... As
obrigações do dia a dia de gente grande os levou
para caminhos nem sempre coloridos, cinzentos,
muitas vezes...
José olha para o filho João e reconhece nele
mesmo brilho no olhar de quando era moleque,
quando e o circo chegava na cidade. Na época,
era um verdadeiro acontecimento! Hoje, em
muitos momentos, a vida lhe pareceu um circo
de horrores... Mas também lembrou de uma
frase do ator brasileiro especializado na arte
de fazer sorrir, Nico Serrano, de que "a alegria
de palhaço não é ver o circo pegar fogo. É ver a
alegria incendiar o picadeiro”... Pura verdade!
A música começa a tocar e o espetáculo
está prestes a iniciar. “Respeitável público!
Senhores, senhoras, senhoritas, gente pequena
e gente grande! Temos a honra de apresentar o
palhaço ‘Tagarela’, o maior mímico do Brasil!
Palmas para ele!”... A criançada entra em delírio.
Todas as atenções se voltam para o Tagarela,
que fala pelas mãos, expressões do rosto e
pelos movimentos do corpo. As palhaçadas e
trapalhadas do Tagarela arrancam gargalhadas
da plateia, que se torce de tanto rir. Sucesso
absoluto!
A apresentação do palhaço chega ao fim
e o público o aplaude de pé. Ele se despede,
sem dar as costas para a plateia e se recolhe
ao fundo do palco. Agora Tagarela está no
camarim, senta em frente ao espelho e olha
para si mesmo. Tira o nariz de palhaço e
começa a remover a maquiagem. Estava feliz. O
entusiasmo do público compensava as tristezas,
a solidão, as dívidas acumuladas, a incerteza
do futuro... “Tudo vale a pena!”, disse para si
mesmo, enquanto uma lágrima escorre pelo seu
rosto...
Sônia Pillon é jornalista e escritora, nascida em Porto Alegre (RS) e desde 1996 radicada em Jaraguá do Sul (SC).
Como professor me vejo nesse personagem:
ResponderExcluir"Estava feliz. O
entusiasmo do público compensava as tristezas,
a solidão, as dívidas acumuladas, a incerteza
do futuro…"
A cada dia é mais ou menos assim que me sinto. Aliás preciso me sentir. Do contrário a gente desanima...
Lindo, Sônia! No palco e nos bastidores: O palhaço.
ResponderExcluirO Público na arquibancada e fora dela. A vida. o circo!!!
Adorei :)
Entendo bem esse sentimento de um professor, Tiago, e imagino que você seja bem dedicado à profissão! :) Também já tive a satisfação de sentir o mesmo em sala de aula, na breve passagem que tive nessa área. O entusiasmo e o aprendizado dos alunos compensa tudo o mais...
ResponderExcluirPoética, agradecida! :) Sim, é exatamente isso! Quem de nós já não se sentiu um palhaço nesse picadeiro que é a vida, enfrentando o público na arquibancada?... :)